segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

AEFIS - A Guerreira de Shenwe


                Liko corria o mais rápido que podia, subindo uma colina atrás de uma fera imensa. Estava cansada por causa das batalhas que travara contra alguns guerreiros anteriormente, além disso, seus poderes mágicos e sua vitalidade estavam baixos, mas se conseguisse completar essa missão com certeza evoluiria para algo muito mais poderoso. Empunhando seu cetro místico equipado com um tipo raro de Kirisaly, encarou o céu da noite e buscou nas estrelas o ânimo que começava a lhe faltar.

                Chegando ao topo da colina, a Guerreira Velkyr (sua categoria) ficou aflita por não ver sinal da fera que perseguia. Olhou para os lados e nada, virou-se de repente e tudo que viu foi a vasta extensão do Vale do Leste e suas centenas de elevações banhadas pelo brilho da lua.

Para onde foi aquele Razal?, pensou.

                Mas um som acima de sua cabeça a fez olhar para cima e, para sua surpresa, Razal, a fera carnívora do Vale do Leste vinha a uma velocidade incrível em sua direção, cortando o ar como uma lança e fazendo um barulho absurdo ao criar um vácuo em seu rastro. Estava a poucos centímetros do impacto quando Liko saltou para o lado e, com um enorme estrondo, a criatura bateu no chão, levantando uma onda de fumaça.

                – Sua sorte não durará pra sempre, Velkyr! – Rugiu a besta com uma voz demoníaca, erguendo-se com dificuldade sobre as patas negras e musculosas. – Você falhará! – Então uma torrente de luz avermelhada jorrou da boca de Razal em direção a Liko e ela, tentando se defender, saltou novamente, com graça e velocidade incríveis, girando no ar.

                Porém o cansaço imprimiu na Velkyr sua marca e em determinado momento suas pernas fraquejaram, permitindo que o raio de Razal a atingisse antes que a fera fechasse a boca novamente. Ela foi jogada colina abaixo, mas levantou rapidamente. Tomou então uma das duas últimas poções que carregava e partiu novamente para cima do inimigo, o cajado místico em punho – a ponta encrustada de Kirisaly brilhando bravamente.

                Liko girou no ar mais uma vez. Pegando Razal quase de surpresa, conseguiu ficar sobre ele e ainda de cabeça pra baixo, ativou seu poder especial. – Gazen ihrut BAHRL! –, recitou. E uma luz azulada exalou da joia em seu cajado, paralisando Razal. Ao pusar ao seu lado, Liko apontou para ele a arma que empinhava, firmou os pés no chão e recitou o segundo encantamento: – Migen ner Razal TRARRAD! –  Nessa hora a luz azulada que paralisava Razal sumiu, mas ele só teve tempo de piscar os olhos porque logo em seguida um estrondoso relâmpago cor de safira saiu da ponta do cajado místico e atingiu-o em cheio nas costelas.

                A guerreira Velkyr sentiu suas energias se esvaindo enquanto o raio empurrava Razal com enorme violência até o pé da próxima colina, onde ele ficou fumegando quando Liko encerrou seu assalto.

Outros guerreiros se aproximavam para observar o combate. Liko estava com pouquíssima energia no momento, mas a batalha ainda não se encerrara. Ela correu até onde jazia seu inimigo e preparou-se para o golpe de misericórdia.

Razal tentou levantar, mas suas patas cederam. Uma mancha negra jazia na lateral de seu corpo no local atingido pelo raio mortífero de Liko. Suas asas também falharam, pendendo molemente no dorso e na lombar. Ele rugia com dificuldade e os dentes afiados continuavam à mostra, embora seus olhos estivessem prestes a se fechar.

– Maldita! – Urrou Razal, atacando com um novo raio vermelho de sua boca, mas Liko rebateu-o facilmente com um movimento de seu cajado. Os dois se encararam, exaustos, mas dispostos a ir até o fim. – Há muito tempo eu domino as Vale do Leste, mas nunca vi um guerreiro chegar tão perto de me derrotar como você, Velkyr.

– Você já foi derrotado, Razal. Entregue sua essência!

RAAAARL! – Respondeu a besta, depois cuspiu muito sangue. – Essa área é sua, mas em breve aparecerá alguém para toma-la, assim como você a está tomando de mim agora. – Razal fechou os olhos e seu corpo começou a inchar, e foi crescendo cada vez mais, até que rapidamente seus membros, sua cabeça, calda e asas ficaram ridiculamente desproporcionais.

Os sentidos de Liko ficaram em alerta, e ela girou o cajado no ar à sua frente – a pedra de Kirisaly deixou um rastro de luz que se solidificou, formando um escudo. Os guerreiros correram para trás das árvores e rochas mais próximas, alarmados pela atitude da lutadora que agora admiravam e respeitavam.

Razal então explodiu, gerando uma onda de impacto esférica que se expandiu ao seu redor, varrendo do ambiente rochas, criaturas pequenas e até mesmo as folhas das árvores mais próximas. A luz projetada foi suprema – durante os poucos segundos que durou a explosão, não foi possível enxergar nada. O som produzido foi um zumbido grave, enlouquecedor. Liko sentiu mais uma parte de sua vitalidade indo embora e tomou a última poção. Pediu às divindades de Shenwe que seu escudo resistisse mais um pouco; sem ele já estaria destruída!

Enfim, no cenário de devastação deixado por Razal, brilhava agora um grande orbe vermelho a quase um metro do chão. Liko correu rapidamente até ele, pois sabia que se outro guerreiro estivesse por perto a essência de seu inimigo poderia ser facilmente roubada. Suas forças já estavam no fim quando a luz de Kirisaly em seu cajado se apagou.

Aliviada por não ver ninguém por perto, a Velkyr estendeu os braços e absorveu o orbe. Nesse momento seu corpo foi tomado por uma luz intensa e sua armadura se modificou. Ela sentiu o poder circular por todo seu ser e chegar até o cajado místico, onde revolveu intensamente, transformando-o também.

Parabéns, Liko! Você passou de Velkyr a Deidade Média. Confira seus novos poderes e não deixe de equipá-los. Derrotando Razal do Vale do Leste você obteve: 21 garras de Misryl, 2 mandíbulas de Misryl e 3.000 Guildes. Sua energia e sua vitalidade foram completamente restauradas.

Yaaaarruuuuuuul! É isso aí! A Guerreira de Shenwe sai gloriosamente vitoriosa em mais uma batalha ééééépicaaaa...

Liko! Ordem! Se você ficar fazendo barulho desse jeito eu vou mandar você para a limpeza das pragas das raízes lodosas, está ouvindo? – Reclamou uma voz feminina e antiga de outro cômodo, aparentemente bem distante.

– Desculpa, mãe! – Pediu Liko, ainda com a voz vibrante de felicidade. Desde que adquiriu o simulador, suas tardes ganharam um novo sentido. Sua vida ganhou um novo sentido e nem ela mesma sabia em que nível.

Liko morava na floresta das Árvores Gigantes de Shenwe, no planeta AefiS. Era um lugar pacífico, onde os habitantes – na grande maioria do sexo feminino – habitavam as copas de enormes árvores. Sua mãe, a matriarca Dalima Or, era a líder desse povo milenar de hábitos bucólicos. O jogo Guerras Fantásticas fora presente por seu aniversário e ela nunca se sentira tão feliz.

Quando repôs o capacete do simulador, Liko viu um ser alado surgir no céu, planando, que depois desceu até ela e sacou um pergaminho que trazia numa bolsa rústica em suas costas.

– Mensagem do Administrador – disse o mensageiro alado –, deseja ouvi-la?

– Sim, claro! – Respondeu Liko, muito melhor agora com sua vitalidade e energia restauradas.

O mensageiro pousou os olhos no pergaminho, desenrolou-o, pigarreou e abriu o bico dourado para ler:

“Muito bem, guerreira! Estamos orgulhosos de ver alguém tão novo em Guerras Fantásticas chegando tão longe. Esta é uma saudação pessoal por seu desempenho admirável. Agora você é uma entre os três mestres de área de G. F., então estaremos dando um jantar em BerThorna para celebrar sua conquista para o qual somente você e os outros mestres estão convidados. Podemos utilizar sua localização para enviar a condução? Responda até o anoitecer no jogo por este mensageiro – eles não podem voar à noite!

Esperamos conhece-la em breve,
Equipe Guerras Fantásticas.”

             – Oh, não! – Disse Liko a si mesma, removendo o capacete do simulador e deixando-se cair em sua cama, de boca e olhos bem abertos. – Minha mãe nunca vai me deixar ir para tão longe!

                BerThorna era o centro comercial e político de AefiS. Assim como Shenwe, era uma das oito grandes regiões do planeta – a mais civilizada e tecnologicamente desenvolvida – e seu líder, Asfer, era o mais problemático de todos, envolvido em um grande número de casos muito complexos e explicados de maneiras muito duvidosas. A mãe de Liko, Dalima Or, era a matriarca líder de Shenwe, e tinha uma opinião muito negativa sobre o colega político. Liko já ouvira todo tipo de história a respeito, mas a vontade de ir conhecer a equipe desenvolvedora de Guerras Fantásticas e saber o que a história do jogo tinha a ver com sua vida geraram uma curiosidade que estava prestes a consumi-la!


                – Não importa, estou ficando sem tempo. Eu tenho que dar um jeito! – Concluiu. – Mãããe!

Continua...

sábado, 2 de novembro de 2013

Atualizado: O Príncipe do Apocalipse

Recentemente adicionei os capítulos 5 e 6 do Príncipe do Apocalipse, que já estava devendo há um tempo. Sei que pouquíssima gente se interessa pela história, mas enquanto eu tiver pelo menos 1 leitor, estarei dando o melhor de mim nas minhas histórias.

Para ler essa história, clique no banner ao lado ou aqui mesmo!
Obs.: palavrões, violência, sexo e drogas [+18]


Mixtape: Dream Kiss

Mais umaaaa! Essa custou, mas saiu perfeitinha como eu queria. Demorei pra achar uma música que fechasse a sequência, então One Republic surgiu pra me salvar. Infelizmente Major Lazer ficou de fora, mas talvez entre na próxima. Curtam aí!



Indico para: correr, pedalar, malhar, começar o dia, fazer faxina ou lavar a louça kkkkkkk



 Tracklist:

1 - Joywave - Tongues (ft. Kopps) (RAC Mix)
2 - Young And Beautiful - Lana Del Rey (Kaskade Mix)
3 - Daughter - Youth (Alle Farben remix)
4 - Safe and Sound - Capital Cities (Party Ghost Remix)
5 - One Republic - Counting Stars (HLM Remix)


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Conto: João Caminha




Um raio de sol pula da grande bola de fogo em que nasceu e, penetrando a atmosfera da Terra junto a vários outros, traz consigo uma onda de luz e calor que colide com o telhado de João. Quando o calor acumula-se o bastante, João aperta os olhos e levanta da cama com seu short de ursinho para abrir a janela.

Uma lufada de vento quase derruba o rapaz, que se apoia no parapeito e contempla a cidade diante de seus olhos. Gatos pulam de um telhado a outro, escorregando no lodo. Fios entre um poste e outro e varais abarrotados de lençóis e roupas íntimas compõem a gigantesca teia de aranha que une o lugar mais parecido com uma colcha de retalho que você já viu. Muito barulho sobe das ruas estreitas, assim como o calor e os aromas ricos em tempero e amaciante, e vão para cima entre os muros e as janelas, até se perderem no espaço.

João respira fundo e, inspirado pelo azul sobre sua cabeça, decide sair para dar uma volta. É seu primeiro ano naquela cidade e ele acredita que finalmente se encontrou. Diante do espelho, passa uma escovinha de plástico nos cabelos, alisa a barba e pinga o perfume de um vidrinho nas pontas dos dedos, que depois passa atrás das orelhas e nos pulsos. Aí ajusta o relógio no braço magro e cabeludo, ensaca a camisa de botão, estufa o peito e, quando o vemos, já está caminhando pela calçada.

As casas projetam uma sombra agradável sobre a rua inteira, que mesmo cheia de gente, ainda consegue ser fresca. Ele cumprimenta a vizinha da frente, que pergunta por seu gato pela milésima vez: “Cadê Xuxí?”. O bicho sumira havia mais de dois meses, mas ele não se incomodava nem um pouco em responder que achava que Sushi havia arrumado uma namorada. Ele não.

Namorada João não tinha mais, mas vivia se apaixonando. Eram paixões de quinze minutos, com todos os estágios: encantava-se por essas moças, projetava nelas seus ideais e imaginava futuros prósperos com casas, filhos, carros, cachorros e sexo todas as noites. Depois que as via partir, sentia seu coração despedaçando. Então remendava o que sobrava e, no dia seguinte, fazia tudo novamente. É claro que em nenhuma dessas ocasiões ele chegava sequer a falar com as donzelas em questão. Tudo era psicológico.

Era isso que sua mãe costumava dizer de suas dores de cabeça, febres e enjoos quando, na infância, tentava justificar sua relutância em ir pra escola. Lembra-se disso quando passa pela instituição onde agora trabalha como inspetor, mas está de folga. Esse novo emprego foi maravilhoso para João, pois lhe dera uma perspectiva dos alunos que o permitiu refletir sobre si mesmo. Fora do cerco medievalmente moralista dos professores e suas impenetráveis fortalezas (salas de aula), os mais jovens tinham assuntos e atitudes muito mais interessantes do que as matérias estudadas a força e os comportamentos impostos.

Mais adiante vê o Bar do Flamengo, onde aprendeu a beber sem vomitar e até mesmo a tragar os cigarros que fingia fumar só pela pose. Fizera amizade com um dos garçons e já tinha até uma conta. Olha para o lugarzinho com bons olhos. É como um refúgio na sexta-feira, quando chega do trabalho. A cerveja gelada desce por sua garganta como um milagre curando as chagas do mundo.

A independência lhe é de profundo agrado. Uma coisa recém-conquistada que lhe dá muito o que pensar durante o dia, garantindo-lhe um sono tranquilo à noite. João é livre como os passarinhos. Talvez até mais, por não precisar voar em formação V como as pessoas que via no trabalho, que vira passar por sua vida inteira.

Chegando à pracinha, faz questão de passar por um grupo de pombos que numa confusa revoada, deixam o lugar – inclusive cheio de bosta. “Qual é mesmo o coletivo de pássaro? Cardume? Não, isso é de abelha” João ri sozinho. Senta por ali sem escolher muito e observa uma joaninha – faz tempo que não via uma dessas – andando sem rumo numas folhas. Está mais acostumado a ver os soldadinhos, mas hoje não tem nenhum. Há uns garotos jogando futebol. Parece até que nesse país ninguém sabe jogar outra coisa, pensa.

Planeja ver um filme mais tarde e encontrar com uns amigos pra beber alguma coisa. Domingo vai ter praia e depois uma macarronada na casa de sua mãe, que já não vê há uns quinze dias.

Ele respira fundo pra absorver seja lá o que for que deixa aquelas plantas tão radiantes, e fecha os olhos. Ele se dá esse minuto de babaquice, até porque já passou pelo suficiente na vida pra aprender a ignorar a opinião alheia. Tudo que vê agora é o laranja atrás de suas pálpebras contra o sol. Aquilo é até bom. Começa a viajar dentro da própria cabeça.

- João? – Uma sombra cobre seu sol.

- Hã? – João tenta recuperar a visão fazendo uma careta. A silhueta de uma moça muito bonita, de cabelos compridos, óculos de sol pendurados no decote, uma chave de carro numa mão e um menininho loiro segurando a outra. – Sandra?

- Ah, é você mesmo! – Ela o abraça pelo pescoço, depois, num movimento ninja, agarra novamente a mão do menino como se segurasse um balão prestes a subir e sumir no céu. – Menino, quase não te reconheci com essa barba! Ta parecendo um remanescente de Woodstock!

João se ajeita no banco. – Oi, Sandra. Tudo bem?

- Tudo ótimo. Olha, esse aqui é o meu filho, Anderson. Deixa eu te apresentar o pai dele – ela joga uma mecha clareada pra trás da orelha e grita: “Mozão, vem aqui conhecer uma pessoa!”

Tem um monte de homens na direção que ela chamou, João nem quer ver qual é o que se chama Mozão.

- Ai, eu tenho tanta coisa pra te contar – ela vai logo se sentando. – Casei ano passado, foi uma festa tão linda! Eu até teria te mandado um convite, mas você sumiu! Depois que eu me formei em administração eu conheci esse cara lindo – sem ofensa, é claro que você não sente mais nada por mim, né? – daí a gente viajou pra Itália, isso na lua de mel, mas eu quis conhecer Paris, Londres, Lisboa, foi tudo de bom. Agora a gente ta morando a dez minutos da praia. Eu nem acredito, parece um sonho! Faz só um ano que a gente se viu, mas dá a impressão de que faz tanto tempo, né?

João repara que o sol se escondeu atrás de uma nuvem e que o céu está começando a ficar cinza.

Sandra parece deslocada naquela praça, pois ao contrário dela, o lugar é meio decrépito: rachaduras no chão, uns vira-latas aqui e ali, até bosta de pombo tem, quase formando um tapete sob seus pés. Mozão e o carrão que os trouxe estão diante da agência do banco e ele tem cara de gerente. Enfim...

- Mas me fala de você – Sandra insiste na conversa. – Como é que tá sua vida, o que você tem feito, tal...?

- Eu?

- Sim!

- Eu, nada.



Gilson França, 01 de Novembro de 2013


Imagem: Innsbruck by Pajunen

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Cortejo, desconserto



Existe no Reino animal uma prática comum a quase todas as espécies, inclusive os seres humanos, que precede o acasalamento e é um fator determinante na escolha dos parceiros, especialmente realizada em situações macho x fêmea. Ela se dá através de um ritual, muitas vezes interpretado como dança, denominado como cortejo. Trata-se de movimentos exóticos, muitas vezes associado a sons específicos produzidos pelo macho para atrair a atenção das disputadas fêmeas de cada espécie.

Temos como exemplo o pavão que abre sua cauda exuberante em leque, entre outros que, há milhões de anos repetem o rito geração após geração, para suas parceiras em potencial.

Os seres humanos, por sua vez, criativos como são, de maneira até inexorável, também têm suas maneiras de cortejarem-se uns aos outros; seja por meio de palavras, linguagem corporal ou outras atitudes, com as quais tentam mostrar que são adequados ou os melhores parceiros potenciais para as fêmeas.

E hoje, desrespeitando minha razão e lógica, consciente de que não sou um animal irracional – leia-se como racional aquele que pode controlar seus instintos (não quero dizer com isso, permanentemente) – fui, em minha posição de macho da espécie, tentar cortejar minha fêmea. Mas ah, meus amigos, oh, meus inimigos, como fui ingênuo! Os tempos são outros, as mentes são outras e o pior: a multiplicidade das interpretações humanas é, na melhor das hipóteses, um perigo.

Ao me oferecer para pagar a conta da lanchonete (eis aqui o cortejo), fui interrompido bruscamente por minha fêmea, que em um relâmpago de fúria, negou meu gesto e, num brado retumbante, disse-me: “eu não dependo de você para nada!”.

E daí? Daí que eu fiquei pasmo, estarrecido com a situação, e liguei-me no modo automático enquanto meu cérebro guardava a informação para digerir depois do sanduíche com guaraná.

Ainda bem que era Subway! Um McDonald’s teria entupido-me as artérias e congestionado-me as sinapses!, pensei.

Ela não depende de mim para nada. Não vou me questionar a respeito do que venha a ser o nada em sua cabeça, pois o ponto aqui não é este. O que venho falar é que a ideologia feminista dos nossos tempos encontra-se em uma situação crítica de alienação que se reflete de maneira extremamente negativa nas relações interpessoais.


Ora, nem todo homem que dá um presente a sua mulher deseja subjuga-la. Nem toda mulher que se dispõe a demonstrar gratidão é submissa. Que sociedade é essa que enxerga tudo tão extremamente? Que lógica medieval é essa a do céu ou inferno, do oito ou oitenta? Não sei de mais nada.

Imagem: Peacock by jele


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Além do espelho


Eu tenho observado as pessoas. Trata-se de momentos em que eu sou, de certa forma, obrigado a isso, como enquanto ando de ônibus e não há para onde mais olhar. Quando elas são a coisa mais interessante para se ver. Especialmente as mulheres. As pessoas mais comuns. Quando penso sobre elas, como aparentam estar enquanto as observo, fico abismado com os padrões de aceitabilidade que eu estabeleço para mim mesmo. Pergunto-me como podem viver consigo mesmas sem tantas das coisas que me obrigo ter e ser. Como conseguem levar uma vida tão ordinária e sustentar discursos tão superficiais, como mantêm suas identidades de micro-engrenagens sociais tão resignadamente. Por um momento até as invejo. Em seguida mudo de perspectiva, restabeleço meus high standards e faço um rápido calculo de equivalência de valores. Então percebo que elas não estão tão mal assim e relaxo. Existe um mundo diferente para cada um de nós, com um paraíso e um inferno personalizados.

Imagem: Piano playerby ~sican

domingo, 18 de agosto de 2013

Shingeki no Kyojin (Attack on Titan): Reflexão



Uma coisa que tem me dado muito prazer ultimamente é assistir Shingeki no Kyojin. É muito bom aguardar a semana passar para, no sábado à noite ou no domingo de manhã, me juntar a várias pessoas no mundo com o intuito de acompanhar uma coisa tão emocionante quanto essa série!

Ontem mesmo quando estava assistindo o episódio 19 (de 25), eu pude sentir a emoção de estar – mesmo sozinho no quarto – em meio a milhares de pessoas vendo a luta insana dos humanos contra os titãs. Isso tudo já é muito bom, mas uma maneira ainda melhor de se aproveitar qualquer história é refletindo. Nesse caso, eu proponho os seguintes questionamentos: “quem ou o quê são os titãs da sua vida? Quais são as suas muralhas? O que você está fazendo para se libertar?”

Vejo os titãs como aquelas dificuldades enormes e assustadoras, mas que não são invencíveis. Lembro-me dos problemas que não se pode enfrentar sozinho nem na base do impulso. Eles têm um calcanhar de aquiles! Na verdade, uma "nuca"!



As muralhas são um elemento paradoxal para os personagens, que se encontram divididos entre aqueles que as vêem como uma proteção (a grande maioria) e aqueles que as vêem como um limite. Todos temos nossas muralhas, e não cabe a ninguém além de nós mesmos decidir qual seu verdadeiro papel. E digo mais: as muralhas mais altas são as psicológicas.



A despeito do banho de sangue que pode assustar alguns, valores como coragem, sabedoria, determinação e força são explorados em seus limites. Mas na minha opinião, nada disso é tão marcante no enredo quanto os sacrifícios. Para que se consiga algo, é necessário que haja sacrifícios, isso todo mundo sabe. Mas o que SNK acrescenta a esse pensamento é que deve-se honrar aquilo e/ou aqueles que deixamos para trás na busca por algo maior.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Desírio - Canções de Obsessão

Ando escrevendo ficção novamente. Aqui está o capítulo um dessa história que eu ainda nem sei para onde vai. No meio do capítulo 5 é que me lembrei do blog.
É sobre um garoto que se entrega a sua obsessão de
stalkear um colega de classe. Assim ele explora seus limites e sua imaginação. Trata-se de um passeio pela mente de um adolescente dos nossos tempos sob circunstâncias relativamente inconvencionais.Inspirado em Aku no Hana e O Retrato de Dorian Gray.



UM – IDENTIDADE SECRETA

Eram onze da noite quando Desírio decidiu que cederia completamente aos seus instintos, suas pulsões. Acabara de fumar um cigarro todo amassado que trazia no bolso, o último da carteira, pelo que lembrava. Estava na frente de sua casa e o ar gélido da noite enchia seus pulmões. Voltando de uma festa meia-boca, refazia seus passos mentalmente à procura de qual havia sido o lucro do esforço de arrumar-se, sair, gastar grande parte do pouco dinheiro que tinha e desperdiçar tempo e energia desgastando sua mente e seu corpo com substâncias legalmente impróprias para sua idade. Perguntou-se, pela milésima vez, por que fazia tudo aquilo. As pessoas o viam, conheciam e esperavam naquele tipo de lugar e evento porque já haviam montado uma imagem sua nas cabeças e aparentemente ele não tinha mais valor que as músicas que tocavam ou os cortes de cabelo que seus amigos faziam.

Por falar nisso, vários cortes de cabelo atrás ele mesmo vinha se cansando da maratona de conversas forçadas com frases feitas e risadas excessivamente barulhentas ao redor das mesmas pessoas com os assuntos de sempre. Sexo. Era tudo sobre sexo. Todos ali só queriam que um lugar quente e úmido fosse preenchido. Todos nós somos vermelhos por dentro.

Havia perdido a fé no mundo e nas pessoas, portanto desejou mortalmente um remédio, uma razão para viver. Algo pelo que acordar no dia seguinte e levar uma vida menos dispendiosa e questionável. Assim como os animais. Assim como a flor que brotava discretamente no canteiro abaixo da janela de seu quarto.

Quando entrou em casa, fechou a porta da sala para o sol que começava a surgir às suas costas. Todos estavam dormindo e os móveis exalavam seus cheiros de madeira e ácaro. Até a tinta nas paredes parecia se divertir na ausência das pessoas. Nessa ocasião ele pôde sentir o próprio cheiro e, consequentemente, nojo de si mesmo. Iria deitar pelo bem do que fosse, e no dia seguinte, após o banho, seria outra pessoa.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Poema: FREE


FREE

sinestesia, o sabor da noite que vem
                                                  ao sabor
do vento.
             meus pulmões inalam fogo
                                      exalam desejo
um prazer perfeito que nunca sacia completamente,
um fogo que é puro artifício
como é fácil se acostumar ao que é bom
                   música, síncope a teoria da lua
uma desculpa com um propósito – experiência
                                                             de vida?
                                                                 divina?
o beijo de uma rosa, eu:
                             um rouxinol
queria poder voar



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Texto: Gilson França, 2013
Imagem: le dormeur du val by ~gillesgrimoin

sábado, 4 de maio de 2013

Livro: Oak School - Prévia do capítulo 1




Certa manhã o sol reiniciou seu fastidioso percurso do horizonte ao leste até o outro lado da Terra sobre os telhados das casinhas padronizadas de Anverlin. Apenas diferençável das outras por características invisíveis a olhos forasteiros, a casa onde morava o órfão Tiago Tardelli estava prestes a se tornar um cenário de terror. Seus excessivamente gentis pais adotivos, mesmo inconscientes dos próximos eventos, estavam agindo de maneira mais estranha que o normal. Submerso na monotonia das férias de um garoto sem amigos, Tiago sustentava um olhar vago no telejornal matinal, sem expectativas para mais um longo dia, e o Sr. e a Sra. Roosevelt tentavam como podiam lidar com sua repentina condição:

- Não vai trabalhar hoje, meu bem?

- Ligaram da loja avisando que houve uma inundação. Parece que só vão terminar os reparos amanhã.

- Meu Deus! Pois hoje teremos um domingo forçado: todas as minhas clientes de massoterapia cancelaram.

- A gente podia almoçar fora. Ta afim, Tiago?

- Tanto faz.

- Acho melhor aproveitar a manhã livre pra cozinhar.

- A geladeira está cheia. Por que a gente não tenta dormir mais um pouquinho?

O ar parecia se recusar a circular pelos pulmões de Tiago quando ele levantou do sofá, deixando para trás sua forma suada em baixo relevo na almofada e um casal de meia-idade se abraçando. Eles dois eram mestres em lidar com as inadequações da idade do garoto. Tinham uma filha biológica que acabara de sair dessa fase, por isso já não estavam nem aí para seus chiliques silenciosos.

Preso em casa com eles, Tiago só podia pensar em onde estaria Cheryl, a tal filha dos Roosevelt. Ela tinha virado hipster, como dizia. Uma espécie hype de hippie. Ao invés de andar com ela e tentar se enturmar, Tiago hesitava diante da janela, diante de tudo. Esperava inconscientemente que algo acontecesse para mudar sua vida.

Pois então, naquele dia sua espera terminou.

Às nove da noite, quando o silêncio das vozes das pessoas, dos pássaros e dos carros haviam dado lugar ao zumbido eletrônico dos aparelhos de tevê, algo atingiu o chão no andar debaixo com um ruído abafado que tirou Tiago de seu torpor. Estranho, mas nada que o tirasse da cama. Em seguida, um segundo ruído, idêntico. Esses sons aborreceram Tiago. Ele vivia com a impressão de estar num eterno clímax psicológico, esperando para ter a grande ideia que mudaria tudo em seu universo. Um terceiro ruído: vidro se espatifando. Contra uma parede ou o piso. Como nos filmes. Isso acelerou os pensamentos de Tiago, mas os sentimentos de gratidão e seu papel de criatura protegida o impeliram a uma preocupação sobrenatural. Ele sacrificou sua sessão de imersão intrapsicológica e desceu as escadas. De meias, nas pontas dos pés.

Dois homens encapuzados destruíam a sala de estar com um pé de cabra e uma chave inglesa. Talvez ladrões. Certamente assassinos. O casal no chão da sala começava a ser soterrado pelos destroços da decoração. As portas foram sendo abertas bruscamente, mas a televisão praticamente no último volume vendia carros mais alto do que o ranger de qualquer dobradiça.

De volta a seu quarto, Tiago hesitou pela última vez diante da janela. Braços fortes numa jaqueta preta o arrancaram para fora com uma facilidade quase ridícula. Sem necessidade sua boca foi imobilizada pela enorme mão do homem com um lenço fedido. Foi-lhe mostrado um espelho. O caco de vidro na mão livre de seu raptor, que não era um espelho comum, não lhe mostrava seu rosto; o que se via ali era o quarto de Tiago. Do jeito que estava naquele exato momento.

Da perspectiva do espelho em que ele se via todas as manhãs, como num monitor de sistema de segurança, um dos assassinos de seus pais adotivos apareceu em seu quarto procurando pela próxima vítima. Abriu seu guarda-roupa, brandiu o pé-de-cabra debaixo da cama e depois saiu.

O homem no telhado colocou Tiago nas costas como um filhote de coala e saltou. Seus joelhos não cederam ao impacto com o chão e continuaram nas pernas. Eles rumaram para a escuridão da descida da Rua Woolf e a última visão que o rapaz teve daquele lugar foi do momento em que o incêndio começou.

Mais tarde, bombeiros diriam que havia sido um vazamento de gás e que, felizmente, ninguém estava em casa. Cheryl receberia o seguro e se mudaria para os Estados Unidos, onde viveria jurando que nunca tivera pais.

 - Esse trecho seria um início ou prólogo de um livro cuja história é tão pertinente na minha cabeça que desde 2010 eu venho lutando comigo mesmo para escrevê-lo. Acho que essa é a 5ª ou 6ª versão, não sei. preciso de alguma coisa concreta se quiser publicar um dia. 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Querido B.



Achei bastante curiosa sua pergunta sobre como eu estou. Há uma infinidade de respostas possíveis, portanto diante da plenitude de opções, vejo-me acossado. Tenho mesmo é que tentar entender o que você espera (ouvir) de mim. Não digo que estou “bem” porque seria grosseria, falsidade e pieguice de minha parte. Digamos que atualmente (e aqui começa minha suposição) eu seja um corpo num universo de responsabilidades impostas por mim mesmo, cujo centro gravitacional – o núcleo – é o cérebro, e não mais aquele coração selvagem à la Yoko Kano. A massa que se agrupa ao redor desse núcleo é composta por pedaços que morrem de medo de uma nova separação. A atmosfera é composta não por gases, mas por limites semelhantes àqueles cercadinhos para bebês. Detrás dela lanço um olho ao futuro, fisgando expectativas com as quais durmo e acordo. O outro olho vislumbra uma vida de prazeres apenas sonhada, uma sopa de lembranças e esperanças (muito quente!) da qual arrisco sorver pequenas quantidades com um bico hesitante. Devido à instabilidade do clima na minha superfície, ainda não posso – nem poderei tão cedo – ser habitado. Talvez eu possa dizer que estou pós-apocalíptico. Eis uma das minhas respostas favoritas à sua indagação. Espero e creio que estejas melhor que isso e melhor que antes.

Sempre seu,
O.

Imagem: PEYTON Elizabeth, Oscar and Bosie, Eve, Paris (1998)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Fragmento de lucidez 1: Fatigado pelos padrões. Autenticidade, por onde andas?





Certa vez caminhava pelo centro da cidade quando ouvi três pessoas conversando:
- Comprei um DVD, mas já quebrou.
- As coisas não duram mais nada hoje em dia!
- É, parece que já são feitas pra se quebrar!
Estaria tudo bem se eu já não houvesse ouvido esse mesmo diálogo de 99% das pessoas insatisfeitas com produtos eletrônicos. Ora, o que há com as pessoas? Por que diabos tanta gente vive na mesmice? Quero dizer, mantêm o mesmo discurso, têm uma visão em massa do mundo, contentam-se em gostar das mesmas coisas.

Essas pessoas eu classifico como ovelhas: vivem inertes, vão para onde o pastor comanda. Nunca questionando, nunca fazendo diferente. Sempre produzindo lã e carne, lã e carne, lã e carne dia após dia. Assustam-se com uma nuvem e assustam-se novamente com outra nuvem no dia seguinte.

Não sou uma ovelha. Nem branca nem negra. Sou uma raposa. E que isso, pelo amor de deus, não seja visto como uma pieguice motivacional. Não! Estou falando que devemos sempre nos reinventar. Nos recriar! Para quê fazer todos os dias as mesmas coisas se nós somos dotados de criatividade? Eu até aceito que ninguém seja “melhor” que ninguém, mas poxa, dá pra ser melhor do que você mesmo.

É muito fácil dançar conforme a música, mas por que não fazer uma música nova? Ou uma coreografia nova, pelo menos pra começar? Não podemos dar moleza para o cérebro! Há um grande prazer na sensação de progresso, de evolução. Nossa espécie anseia desesperadamente por isso. Tudo o que produzimos é uma melhora do que foi fabricado antes, então por que não fazer o mesmo com o pensamento?

Sou a favor de nunca dizer a mesma frase, de nunca cometer o mesmo erro, de nunca cair duas vezes no mesmo lugar! A gloriosa saída do casulo tem que acontecer todas as manhãs. Amo as manchas das girafas, que nunca se repetem, as nuvens, os rios, enfim, todos esses movimentos diversos da natureza. Eles fazem parte de nós, estão codificados em nossos genes. Muito mais óbvios do que muitas pessoas querem acreditar.

Mudemos! Essa é a única tecla em que se vale a pena bater mais de uma vez.

Imagem: Giraffe by ~ecom

Mixtape: VanRetro

Ai que delícia fazer essas mixtapes! Dessa vez eu apresento a vocês a VanRetro: 


Bem vanguardista, bem retrô. Como? Ouça e deleite-se!



Dá só uma olhada na tracklist:

1. Phoenix - Lisztomania (Shook Remix)
2. Two Door Cinema Club - Something Good Can Work (The Twelves Remix)
3. Daft Punk - Get Lucky (David A Remix)
4. Chromeo - When the Night Falls (SAVOY Remix)
5. Miami Horror - Moon Theory (Punks Jump Remix)

Imagem da capa: UntitledWith his green lights V by ~Flote


domingo, 14 de abril de 2013

"Pecados da minha juventude": ouvir música!

Já escrevi e falei rios sobre as minhas bandas favoritas e aposto que todo mundo é capaz de fazer o mesmo. Acho que pode-se resumir todo o bla-bla-bla em quanto tal banda me emociona, porque é justamente isso que nos faz preferir uma a outra.


Sempre que conheço uma banda nova fica a dúvida: "quanto tempo será que vai durar: a) meu gosto por essas músicas; b) a banda em si?" Daí às vezes as bandas* me pegam, seja com suas melodias deliciosas, os vocais incríveis, as letras tão empáticas ou os três! Quantas vezes simples singles me fizeram ouvir discografias inteiras!

No fim, você aprende a experimentar sons novos, e se diverte muito com isso, à medida que as que vão deixando de ser novas vão acumulando lembranças atribuídas às melodias e se tornando saudosas, ganhando nosso respeito e carinho.


Para mim Neon Trees é uma dessas, que no começo eu não gostei, mas como a voz de Tyler Glenn é uma das mais, digamos, pertinentes que já ouvi, não consegui resistir. Como acordei meio nostálgico, ouço e compartilho com vocês nesta manhã de domingo o single Sins of my youth, do álbum Habits, que desde 2010 me deixa nas nuvens. Bom dia!


*A esmagadora maioria, internacional - já falei aqui da carência de boas bandas jovens no nosso país. Acontece de, apesar de serem moderadamente boas, as bandas brasileiras de pop rock, por exemplo, não fazem nada que já não tenha sido feito lá fora há pelo menos 10 anos.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Realidade alternativa: Twitter

Uma teoria que eu ando desenvolvendo de maneira secundária em meio a tantos outros pensamentos é a de que as redes sociais (também) são um espelho do ego. Tipo: nelas você tem a grande chance de se mostrar como quer ser visto, mesmo que muitas vezes esse objetivo não seja alcançado por causa da discrepância entre as impressões de cada um.


Falando das duas mais populares (que eu saiba), muitas vezes prefiro o twitter ao facebook na hora de publicar alguma coisa. Simplesmente por me sentir mais confortável em 140 caracteres e para um público relativamente diferente.

No microblog as pessoas que eu sigo têm um humor bastante singular, que eu adoro. Esses tweets têm uma linguagem própria e jargões hilários que, quando atingem certo nível, vão parar no facebook e na boca do povo. Só alguns que eu posso citar de cabeça são: "amo/sou", "azamigue", "partiu", "SDDS", "por motivos de:", "sou tão gato que...", "ninguém pediu sua opinião", etc.

Hoje vou postar alguns dos meus favoritos por motivos de: estou afim e pronto.


Imagem: Twitter por sebreg, no deviantART

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Conto: O coelho na sua cartola



Ele sempre foi um cara muito sensível. Tínhamos a mesma idade, mas essa sempre foi a diferença mais brusca entre nós, ao meu ver. Quando terminou com a namorada, ou melhor, quando ela terminou com ele, chorava todas as noites, inconsolavelmente. Até que numa dessas eu precisava muito dormir e resolvi tomar uma atitude. 

- Ei, ta acordado? 

Ele fez que sim com a cabeça. 

- Vem aqui. 

Eu sabia que ele viria, que precisava. E ele também. Àquela hora a gravidade era maior. Ele rastejou de dentro dos lençóis até a minha cama e sentou ao meu lado, o rosto completamente arruinado pelo pranto me perguntando o que fazer. Só me afastei e deixei que ele caísse do meu lado. Não haveria problemas. 

Desde que começamos a dividir esse apartamento eu tenho desenvolvido funções bem distintas das de um simples estudante. Fora os serviços domésticos, também fui forçado a ter conversas com ele que, sem querer ser ofensivo, demonstravam a incompetência de seus pais em certos aspectos, pela história que eu conhecia. Então nunca me importei. “Você tem um instinto paterno” e “você leva jeito pra ser pai” foram coisas que eu passei a vida inteira ouvindo, e acho que é bem assim mesmo. 

Enquanto ele se aninhava ao meu lado, dei um jeito de colocar um braço por debaixo de seu pescoço, querendo dar algum suporte àquela cabeça perdida. Então ele colocou seu braço no meu peito e, com o rosto no meu ombro, voltou a chorar. Mas dessa vez o choro foi diferente. Foi como se, sob o meu enlace, algo houvesse se desatado dentro dele, abrindo as comportas que impediam um rio de avançar sobre uma cidade, um rio que apenas sangrava, agora escoando, varrendo, lavando, levando, devastando tudo. 

Pensei na minha mãe, no meu pai. Havia mistérios entre eles. Havia mistérios que inclusive me envolviam. Ao contrário da fonte de todas as lágrimas que irrigavam esses pensamentos, eu fui criado num cenário de dores e adversidades, coisas que me fizeram um homem forte. Também não achava que o caso do meu amigo fosse problema de um menino mimado. Uma vez me disseram que cada um tem seus conflitos, então deveríamos ser gentis. 

Eu deveria ter encontrado um fim trágico como os meus antigos amigos, mas por mais estranho que pareça, em algum momento da minha vida as coisas tomaram um rumo diferente. Em algum momento, tudo o que eu via e ouvia passou a ter uma cor e a soar diferente. Então mesmo sem o esforço dos meus pais, mesmo sem nem sua intenção, eu acho, eu me tornei um cidadão, um bendito homem de bem. Talvez eu tenha sido escolhido para alguma coisa grandiosa, talvez eu simplesmente devesse estar aqui e agora, enxugando as lágrimas de um garoto. 

Na manhã seguinte acordei sozinho na cama. Ele havia deixado um cheiro de mobília nova, de coisa recém-desempacotada no meu lençol. Encontrei-o na cozinha terminando um fartíssimo café da manhã. Estava limpo, barbeado e rejuvenescido. Apesar das marcas do abatimento, havia enfim dormido bem. Mas não me desejou um bom dia. 

- Será que – ele me perguntou – se ela tivesse ficado com você ao invés de mim as coisas teriam terminado assim? 

Não respondi porque não faria diferença, afinal. Nada sairia dali, nada significava mais nada depois do nascer do sol.

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foto: KYAV

domingo, 31 de março de 2013

Adeus e obrigado!


Hoje me despedi do último dos três animes que vinha acompanhado. Os episódios foram lançados semanalmente e todos os domingos eu tinha a certeza de encontrar esses "amigos" para juntos vivermos aventuras e derrotarmos o mal.

Foi muita sorte ter encontrado histórias tão incríveis e que estas mesmas me prendessem por tanto tempo (cerca de 25 semanas).

Vão deixar saudades Mahiro, Yoshino, Aika e Hakaze (de Zetsuen no Tempest), Saki, Satoru, Maria, Mamoru e Shun (de Shin Sekai Yori), Akane, Kougami e Makishima (de Psycho-Pass).

sexta-feira, 29 de março de 2013

Poucas e boas (músicas)

Hoje eu conheci a banda Twenty | one | pilots, através da canção Trees no SoundCloud da gravadora Fuelled By Ramen (a mesma de Paramore, Panic! At the Disco e Fall Out Boy). Gostei tanto que corri pro YouTube para ver se tinha videoclipe, mas tinha uma coisa muito melhor: a apresentação deles, que você confere abaixo.


Enquanto assistia o vídeo, com fones de ouvido para abafar as porcarias que meus vizinhos estão ouvindo nesta pseudo-religiosa sexta-feira da paixão, me veio uma voz na cabeça reclamando porque eu aparentemente dou atenção demais a músicas internacionais. Aí eu fiquei puto. Ora, eu teria sido muitíssimo feliz se na minha adolescência eu tivesse tido a oportunidade de ouvir um som como o de Twenty | one | pilots, de ter ido a um show como esse, aqui no Brasil e com artistas que cantassem em português. Mas acontece de no nosso país as coisas serem muito 8 ou 80: ou as músicas são baixas demais, ruins demais (como as dos meus vizinhos), ou são herméticas demais. 

Sim. Falta o caminho do meio. Não temos músicas bem feitas e despretensiosas para se ouvir e se dançar que não falem de sexo, bebedeira ou dores de cotovelo poeticamente abordadas. Não para adolescentes, e isso eu digo porque a adolescência é o caminho do meio! E por causa dessa nossa "cultura" do sexo, ela (a adolescência) está chegando cada geração mais cedo.

Você acha que estes adolescentes e pré-adolescentes do vídeo acima trocariam a emoção que tiveram durante a apresentação de Trees pelas coisas que a gente tem aqui? Repararou como eles acompanham o vocalista? É muito diferente da fissura animalescamente sexualizada que infelizmente nossas adolescentes têm por Luan Santana, por exemplo. Então sim, seguindo esta linha de raciocínio, levando em consideração a nossa carência de bons artistas e boas músicas voltadas para o público que está em sua fase mais conflituosa da vida, eu prefiro sim artistas internacionais. Não só prefiro, como recomendo, inclusive para meus alunos.

Tradução: In this shirt - The Irrepressibles


Olá todo mundo! Espero que tenham gostado do novo visual do Minhas Drogas. O post de  hoje é a tradução da lindíssima In This Shirt, da banda/orquestra The Irrepressibles, lançada no álbum Mirror Mirror de 2011. Jamie McDermott, o vocalista, tem essa voz absurdamente fantástica que vibra de uma forma alucinante. Além disso, todas as outras músicas são igualmente lindas. Lá embaixo, no final da postagem tem uns links, caso vocês se interessem pelo que vão ouvir a seguir.





Nesta Camisa

Estou perdido no nosso arco-íris, agora que nosso arco-íris se foi
Enevoado por sua sombra, enquanto nossos mundos seguem adiante
Nessa camisa eu posso ser você, estar perto de você, um pouco

Há um guindaste destruindo tudo aquilo que nós fomos
Eu acordo no meio da noite para ouvir os motores roncando
Há uma dor, ela ondula pela minha estrutura, me tira o chão
Há um espinho ao meu lado, é a vergonha, é o orgulho

De nós dois, sempre mudando, indo em frente agora, indo rápido
E o toque dele deve ser desejado, vir ao seu comando

Mas eu preciso, Jake, te dizer que eu te amo, incansavelmente
E eu tenho sangrado todos os dias, há um ano agora, há um ano!

Eu te mandei um recado pelo vento, para ser lido
Juntos lá, nossos nomes devem ter caído como uma semente
Até as profundezas do solo, completamente soterrados
No vento, eu pude te ouvir chamando meu nome. Segurei os sons

Estou perdido

Perdido no nosso arco-íris, agora que nosso arco-íris se foi

Estou perdido
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Curiosidade: In This Shirt faz parte do filme The Forgotten Circus, de Shelly love.

terça-feira, 26 de março de 2013

Crônica: Pelos olhos do escritor



Já escrevo há muito tempo. Sobre as mais diversas coisas nos mais diversos formatos. Mas uma coisa sobre a qual nunca escrevi, pelo menos não da maneira apropriada, creio, foi o escritor. Assim, refiro-me a minha própria pessoa, o “eu” como escritor. Quem é esse homem, essa coisa? Como se classifica? Como se encaixa no mundo? Acho que sei como surge, pelo menos: Um escritor nasce de um leitor apaixonado. Em determinado momento de sua vida, ele passa a ouvir vozes. Elas lhe dizem que o mundo não é como seus olhos pensam que são. Elas lhe dizem que o mundo é mais bonito. Tudo tem beleza. Acredito que a beleza, talvez mais que a dor, seja uma grande força motriz da inspiração. E a inspiração é uma fonte dentro da cabeça onde há inúmeras moedas submersas, ofertas por todo tipo de desejo e ambição. Mas, mesmo se dando conta dessa fonte, mesmo entendendo o mundo como um agrupamento de itens admiráveis (não apenas perceptíveis), o escritor ainda não é escritor enquanto não aprende a dar forma às coisas sussurradas em sua cabeça. Na escola ele aprende a dar nomes a esses amigos (ou inimigos?) imaginários: a voz da cabeça se chama narrador? Ou eu que sou o narrador? Sendo assim, o que fazer com esse jorro ininterrupto de palavras que vai saindo sabe-se lá de onde como um recorte de papel na forma de crianças de mãos dadas que não termina nunca? Então ele nota que cada uma dessas crianças tem uma história, às vezes um nome, às vezes ama alguém, deseja mortalmente obter alguma coisa. Ele considera seriamente chamá-las personagens. Então, ainda na escola, ele é posto diante de incríveis armas de criação em massa: um lápis e um papel. Ele vai tentar desenhar, pois a imaginação ainda não cabe em palavras. Se for bem sucedido, suas armas ficarão cada vez mais aterradoras e seus efeitos ganharão cores vibrantes, contornos vertiginosos, formas alucinadas. Mas a voz na cabeça nunca se cala. Se o desenho não bastar, ela jamais silenciará, por mais que a cabeça em questão se resuma a puro cálcio, quando então ecoará através de todas as palavras pelas mãos que comandava escritas. E sabendo escrevê-las na ordem certa – apenas na ordem –, o escritor vira artista. Ele transformará a realidade em literatura, suas palavras lhe darão novas formas e cores, mesmo sendo apenas preto no branco, cores belamente irônicas, quando juntas. Pois tudo é cinza. E quando o escritor enxerga isso, essa subjetividade se transforma novamente. Daí ele terá dois caminhos: o da prosa ou o da poesia. Eu sou romântico demais, nem preciso que me digam. Mas Rita disse. “Amor é prosa, sexo é poesia”. E são. Caí nas graças da ficção e me deixei levar por essas águas que já banharam e de que já beberam todos que vieram antes de mim: Wilde, Woolf, Hemingway, Poe, Machado, etc. E desejo afundar, desejo embriagar-me a mim e a todos. Minha vida é uma narrativa, estou cercado de personagens, a trama é densa, complexa, experimentalíssima! Prostro-me diante de uma folha branca somente para dar à luz ao que vejo com o corpo inteiro. Gosto da cadência sonora do digitar, dos arranhões na folha da alma, da hemorragia verbal que sai de minha pena. É a minha chance de brincar de Deus, de explorar situações apenas sonháveis, pois a linguagem e seu registro escrito são a verdadeira bênção da imortalidade para um homem. E assim me sinto pleno, redescubro meu eu, aquele, que fica de escanteio, corpo hospedeiro deste que vos fala.



Imagem: 'HITCHERS' BOOK COVER, por Sam Wolfe Connely