terça-feira, 31 de março de 2020

In between

Eis que eu estou aproveitando o dia para relaxar junto ao meu marido e de repente sinto essa enorme sensação de descontentamento dentro de mim. Eu estava justamente folheando um dos meus diários quando a compreensão da situação tomou conta de mim de maneira inesperada.

Primeiro, um lampejo de uma frase para Twitter sintetizando que eu sentia de maneira irônica e publicamente aceitável para os padrões da internet: “Caught up in between sadness for being alone and bored by unsolicited company”. Foi aí que eu me dei conta de que essa sensação de incômodo não deve vir do fato de eu estar sozinho ou acompanhado, mas (e aí vem a marretada) da minha incapacidade de admitir a má administração do meu tempo, o que me faz tentar responsabilizar meu marido - o mesmo que eu fazia no meu passado, jogando a culpa para a minha solidão.

Foi por reconhecer isso que eu já tinha voltado a desenhar e a escrever. Mas permanecia a impressão de que para poder fazer essas coisas eu precisaria me aproximar mais de mim, consequentemente me distanciando mais dele. Ainda reconheço certa verdade nisso, mas não é nada que não possa ser combatido. 

Pra embrulhar tudo, eu lembro de uma ciosa sobre os norte-americanos que desde que percebi, não consegui deixar de admirar: eles dão o máximo de si para que as coisas saiam perfeitas. Isso é muito perceptível em RuPaul’s Drag Race, onde você vê pessoas fazendo de tudo para ser os melhores entertainers. “When something bad happens, you just work it out!”. E eu acho que é isso, sabe? É você dar um jeito, independente de como você se sente naquele momento. “Just be professional”.

Pensando assim foi que vi uma postagem no perfil do Instagram "Sobre saúde mental", na qual um print do twitter dizia que ninguém é obrigado a dar cem por cento de si porque ninguém é perfeito com o qual eu só poderia discordar porque isso legitima pensamentos desestimulantes que retroalimentam a baixa autoestima. Acho que a gente tem que se dar ao máximo aquilo a que nos propomos.

E voltando ao meu caso, eu, assim como tantas pessoas, sempre vamos encontrar desculpas internas ou externas para validar a nossa falta de afinco sempre que procurarmos. Por isso, nada melhor do que sentar e refletir sobre aquilo que sentimos para não penalizar inocentes.


quarta-feira, 25 de março de 2020

The old factory mind



Essa fábrica é a minha mente. Um lugar que foi concebido para produzir algo específico - e assim o fez durante muito tempo -, mas foi necessário cessar a produção. Agora a antiga fábrica encontra-se sendo tomada pela luz do sol e pela natureza. Ela está muito mais bela assim e feliz por servir a um novo propósito.

Um olhar mais atento revela a presença de tanques de guerra à direita, o que pode nos revelar que o interrompimento das atividades naquela fábrica não foi uma coisa natural. Houve um conflito. E o conflito ficou inacabado, pois os tanques, mesmo após o evidente término da guerra, continuam ali. Agora são parte do cenário devastado, mas que abriga uma atmosfera de paz.

As sombras se esticam no chão à medida em que o sol se põe. Assim percebe-se que o dia está para chegar ao fim. É praticamente possível se sentir o vento entrando pelo teto bombardeado e o frescor das áreas que não são tocadas pelo sol. Uma sensação ancestral que foi perdida e que custou muito para ser recuperada. Uma sensação que durante muitos anos foi apenas um sonho distante.

Mas agora está tudo diferente. "Now is the time of our comfort and plenty / these are the days we've been working for / nothing can touch us / and nothing can harm us / nothing goes wrong anymore", como se ouve na canção Love is the end, da banda Keane. A fábrica não quer ser reativada, não quer ser transformada em outra coisa. Ela está desempenhando perfeitamente bem o seu papel de ruína.

É uma imagem que você simplesmente aceita. Não importa se é uma ilustração ou fotografia, mas o que se sente através dela. É lá que estou morando. É isso o que eu sou agora.