domingo, 4 de maio de 2014

Emily Sol - Intro


Certa noite, após um longo período de calor impiedoso, choveu. Infelizmente, para Emily Sol, o clima foi suficiente para suas duas melhores amigas cancelarem o passeio na orla pelo qual a garota aguardara ansiosamente uma semana inteira. Aborrecida, ela jogou na cama o celular onde jazia a mensagem de cancelamento não respondida. O aparelho quicou no colchão e tentou suicídio, espatifando-se no chão, provavelmente cheio de remorso por sua dona descarregar nele injusta e exageradamente a raiva que sentia no momento. Não conseguia evitar aquele tipo de reação, especialmente no auge de sua adolescência e depois de tanta expectativa investida naquele rolé.

Ao devolver o vestido novinho, cuja estreia estava reservada especialmente para aquele evento frustrado pela crueldade arbitrária da natureza, Emily notou na parte de baixo do guarda-roupa uma caixa diferente das outras, mas que ela conhecia muito bem.

Era ali que guardava os por ela chamados suvenires da vida: ingressos de cinema dos seus filmes favoritos ou filmes água com açúcar para os quais fora com rapazes por quem ela sentia certo apreço, pulseirinhas avulsas de boate, tampas de garrafa de cervejas que haviam regado conversas memoráveis, sua primeira carteira de cigarros, uma camisinha de uva que roubara da carteira de um ex-namorado com quem ela nunca passou do sexo oral, brincos cujos pares haviam sumido, mas que ela guardava na esperança de reaparecerem num futuro imaginado, uma mecha de cabelo cortada sem consentimento de uma ex-colega de classe como troféu de um desafio, e muitas eteceteras.

Apesar de inúmeros depósitos rápidos naquela caixa, e de já vir fazendo isso havia um tempo considerável, Emily nunca se detivera numa consulta a seu saldo de memórias. Tratava a caixa como um arquivo morto, mesmo com os constantes acréscimos.

Sentou-se à escrivaninha e levantou a tela do laptop. Enquanto o Windows iniciava com a lentidão habitual – cria ela ser pela sobrecarga de arquivos, resultado de um backup que vinha adiando desde a compra do computador –, Emily olhou pela janela a chuva cair como flechas diagonais da gigantesca abóbada opaca que se fechava sobre a cidade de maneira opressora. Pensou em como gostaria que aquela chuva parasse tão repentinamente como havia começado. Depois se obrigou a pensar nos sem-teto, só pra não se culpar porque ficar sem sair era a pior consequência daquele aguaceiro.

Quando finalmente o papel de parede de Hora de Aventura apareceu na tela e os ícones piscaram, tudo o que ela tinha em mente para despejar no Twitter sobre suas frustrações havia saído de sua cabeça. Depois ela simplesmente baixou a tela e se jogou de costas na cama.

Seu corpo havia crescido mais rápido do que os pais planejaram até a compra de uma nova cama, então alguma parte sempre ficava de fora. Dessa vez foi a cabeça, que pendeu além da borda e a visão do guarda-roupa de cabeça pra baixo entrou por suas retinas. A porta entreaberta do móvel guardava uma escuridão atraente, como se levasse a um mundo além dos casacos, tipo uma passagem brasileira para Nárnia.

A mente de Emily voou enquanto o sangue se acumulava no cérebro mal posicionado, quando, do nada a porta se fechou sozinha e ela soltou um grito.

– Deve ter sido uma brisa – disse a si mesma.

Então decidiu se levantar e ir lá fechar a tal porta de uma vez para que ela não ficasse batendo, assustando-a a noite inteira. Uma coisa patética, até porque se por acaso houvesse alguma coisa ali, ou teria entrado ou sairia de uma vez, ao invés de ficar enchendo o saco com um bate-bate infernal só para aborrecê-la. Emily achava um absurdo como os poltergeists eram retratados nos filmes, só fazendo idiotices como apagar luzes, ficar zanzando pela casa ou atirar coisas nas pessoas.

Ao levantar, espetou o pé em alguma coisa no tapete felpudo e, depois de um segundo grito, porém não menos ruidoso, equilibrou-se precariamente no pé saudável para encontrar um brinco fincado no calcanhar dolorido.

Seu coração se encheu com a esperança de ter encontrado o par perdido de algum de seus brincos, então mancou até a caixa de suvenires e pouco depois já estava de volta à cama com o objeto no colo, onde começou a catar atentamente os acessórios solitários que vagavam nos lugares de mais difícil acesso, tal era sua vontade coletiva de sumir também.

– Emily! – chamou sua mãe, simultaneamente abrindo a porta do quarto e entrando (uma ação para cada sílaba do nome da filha). – Está tudo bem? Eu ouvi gritos...

– Está, mãe. Relaxe.

– Tá fazendo o que?

– Procurando um brinco aqui.

– Quer ajuda?

Nam, valeu. Eu me viro aqui, pode deixar.

– Você vai jantar agora? Seu pai ainda está comendo e quando ele terminar eu vou lavar a louça. Se você for comer depois vai ter que deixar a cozinha do mesmo jeito porque eu já estou cansada de você fazer isso toda noite. Aliás, eu deveria colocar você pra lavar a louça do jantar porque não sou só eu quem suja...

– MÃE! EU TÔ TENTANDO ME CONCENTRAR AQUI!

– Estão brigando? – quis saber o pai de Emily, colocando a cabeça porta adentro.

– Ela está toda nervosinha porque não vai sair. É melhor ficar em casa mesmo, minha filha, se conforme. O mundo está muito perigoso.

– VALEU MÃE, eu já tinha até esquecido, mas a senhora me fez o FAVOR de me lembrar. Obrigada!

– Não fale assim com sua mãe, Emily, ela está certa.

– Viu? Seu pai concorda comigo!

Emily teve que rir da própria mãe. Desde quando ela estava disputando o apoio de seu pai com ela? – Ok, gente – colocou a caixa de lado e levantou mais uma vez. – Está na hora de vocês irem pro seeeu quartoooo! Eu prometo que se ficar com medo dos trovões vou pra cama de vocês, tá? Boa noite. Tchau. Beijo!

Depois de finalmente fechar a porta, enxotando o casal, Emily se voltou para a caixa sobre sua cama e pôs-se novamente a investiga-la.

Dessa vez ela virou a caixa, derramando tudo no espaço em V entre suas pernas. Em meio a cartinhas, chaveiros encardidos, tazos, cartas de Pokémon e cartelas de adesivos incompletas (os que faltavam estavam colados em ângulos estranhos nas paredes internas da caixa ou grudando itens aleatórios por ali), um volume mais pesado emergiu.

– Meu diário! Oh meu Deeeeus!!! – Seus batimentos cardíacos aceleraram à medida que as lembranças do conteúdo daquelas páginas vinha à tona: detalhes sobre sua estada na casa da tia Eloísa, dois anos antes.

Como havia esquecido daquilo? Aquele diário abrigava uma Emily que ela já não era mais, mas de quem sentia muitas saudades.

Então um forte impulso se apoderou dela, fazendo-a abrir ansiosamente o caderno enfeitado e ainda (!) perfumado, e deslizando os olhos na primeira página, leu:

2008, o melhor ano da minha vida! Por Emily Sol



Leia meu comentário sobre esse texto aqui.

Comentário sobre Emily Sol - Intro



Depois de um tempo amaldiçoado pelo terrível writer's block, decidi escrever qualquer coisa que viesse à minha cabeça. Essa estória de Emily surgiu quando eu voltava pra casa depois da universidade, e eu comecei a escrevê-la no celular, ainda no ônibus.

Nesse começo de conto (ou romance, quem sabe?) eu fui direto em cima das minhas fraquezas: trabalhar com uma personagem do sexo feminino - não tenho certeza se consegui escapar das garras dos estereótipos da adolescente de classe média, mas já falei: é uma fraqueza - e prolongar um pouco a ação antes de apresentar o desfecho da cena (do cancelamento do passeio até ela encontrar o diário).

Geralmente quando se escreve um conto, o autor já tem em mente o final, porque assim o enredo não se dispersa. É bem verdade que em determinado momento da trama os personagens ganham vida própria e aí começa o trabalho de deus do escritor. Pra mim isso é muito difícil, porque é como se você tivesse um segredo pra contar e tivesse que segurá-lo durante toda o desenrolar dos fatos. Os finais tendem a ser uma solução para os conflitos dos personagens, ou uma complicação para um nível maior - nesse caso a estória pede continuação e a solução é apenas superficial.

Outro problema que eu enfrento é a definição do público-alvo. Emily acabou ficando beeem ChicLit, então eu acho que quebrei dois tabus de gênero meus: o da protagonista (sexo feminino) e da escrita (comercial). Um detalhe é que optei pelo narrador câmera, em terceira pessoa. Autoras americanas de ChicLit geralmente escrevem em primeira pessoa porque acho que isso facilita (não num bom sentido) a empatia com as leitoras. Meu narrador tem acesso aos pensamentos de Emily, tem um discurso bem parecido com o dela (jovial e jocoso), mas simplesmente não é a voz na cabeça dela porque isso é muuuuito chato! Gosto que os leitores tenham a liberdade de erguer os olhos do texto e não tomarem um choque muito grande ao se verem em seus quartos pensando "Ah, eu não sou essa personagem".

No fim, acho que foi um bom exercício. Emily ficou leve, dinâmica e interessante. Não me detive em descrever sua aparência porque acho que cada pessoa gosta de dar uma de Deus no sexto dia com personagens de livros: criá-los à sua própria imagem e semelhança (espaço para reflexão sobre o que eu acabei de falar hahahaha). Gostei dela, de verdade.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

10 coisas para fazer antes de concluir o ensino médio [tradução]

Eu, mesmo já tendo terminado o ensino médio, achei fantástico o que é abordado nesse texto. Fiquei maravilhado com como a efervescência da adolescência é expressada e com a intensidade das coisas. Pessoalmente, me identifico muito com o que está escrito aqui, portanto, resolvi compartilhar com todos no Minhas Drogas.




Vá a uma festa e fique sóbrio. Ouça o modo como falam seus colegas de classe embriagados quando eles não têm planos de se lembrar de como foi a noite quando acordarem. Nunca fale sobre essas experiências, guarde-as apenas para você. Comece a dirigir pela rodovia em uma direção um dia, fingindo que você está fugindo. Ouça música pop ruim no máximo e cante junto. Pare nos subúrbios quando sua mãe te chamar de volta, mas compre um cupcake pro seu irmãozinho antes de dar meia-volta. Beije seu melhor amigo(a). Não importa o gênero ou a sexualidade de vocês. Não importa se for um selinho ou de língua. Vocês rirão disso mais tarde, mas a lembrança sempre fará com que você sorria. Fume um cigarro. Deixe que queime sua garganta. Deixe sair aquela tosse bem barulhenta. Apoie alguma coisa em que você acredita. Quando metade da escola rir de você, mantenha a cabeça erguida. Alguém concorda com você, mesmo que essa pessoa esteja assustada demais pra confessar. Faça inimigos. Cometa o tipo de erro que causa uma implosão na sua vida. Perca tudo e todos para esses erros. Somente quando você cair é que você vai ser capaz de se colocar de pé novamente. Sente-se no telhado de alguém e converse por horas. Esqueça sobre o jantar e conte as histórias da sua origem. Baixe sua guarda enquanto os cães latem lá embaixo. Converse sobre Deus. Ouça. Roube uísque do armário dos seus pais e esconda numa garrafa debaixo da pia do seu banheiro. Coloque uma dose no seu chá quando você achar que chegou ao fundo do poço. Jogue tudo pelo ralo quando ficar forte demais pra você. Torne-se um estereótipo. Compre um gravador e coturnos. Se vista todo de preto. Pinte o cabelo de azul claro e coloque três piercings na orelha. Não ligue quando as pessoas rirem de você. Faça pedidos às 11:11. Use seu pijama com a frente para trás na esperança de um dia de neve. Procure por respostas no fundo de uma garrafa. Finja que escrever coisas nos seus braços te torna especial. Acredite em alguma coisa. Acredite em tudo. Abra todos os livros e olhe em volta em cada esquina. Você não terá essa aparência, esses movimentos ou esses pensamentos nunca mais. Aproveite enquanto durar ou odeie cada segundo. Mas sinta. Sinta cada maldita coisa.