domingo, 24 de fevereiro de 2013

Quando chove




O frio sempre me lembra minha infância, não consigo entender o porquê. O céu cinzento, o cheiro da terra quando chove, até mesmo o efeito que o som tem quando se propaga no ar úmido... dentro de casa as paredes costumavam ficar úmidas também, e o cheiro do sabonete no banho quente era tão refrescante. Lembro-me de tomar um desses banhos e assistir algum filme com meu irmão e minha mãe a tarde inteira. Lembro-me de colocar a farda da escola e exclamar “cinco para uma!” enquanto ainda estava almoçando feijão com arroz e purê. Depois, na minha adolescência, a chuva marcou o dia de um festival de cultura japonesa para o qual eu fui e fiquei maravilhado com tantas coisas boas e com a quantidade de pessoas que, assim como eu, gostava delas. Algum dia também irei me lembrar desses domingos em que passo o dia inteiro em casa, dando graças a Deus por momentos de tamanha paz. Pode ser que esteja relacionado ao fato de eu ter nascido numa época chuvosa, pode ser que seja um alívio sentir o ar gélido depois de tantos dias de calor infernal. Mas essas lembranças e todos os sentidos que elas trazem do meu subconsciente sempre serão bem-vindas, pois por elas eu tenho muito carinho. É um espetáculo sensorial. É muitíssimo importante para mim.



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Conto: A Grande Mudança (parte 3 de 6)

Parte 1 - Parte 2

3

 O Purgatório era um barzinho frequentado pelo público alternativo da cidade: pouca luz, muito som e daiquiris perfeitos. Eu não vinha neste lugar desde que comecei o curso superior, mas ele estava tão fiel às minhas memórias que a sensação de ter dado um salto no tempo foi maravilhosa. Estavam tocando What goes around comes around quando o meu olhar encontrou o da inconfundível mulher de cabelos pretos repicados, maquiagem marcante e roupas predominantemente pretas.
Ela sorriu me chamando à mesa de onde acabara de sair um dos homens mais bonitos do lugar. Até hoje me pergunto o motivo de nunca ter tentado nada mais sério com ela.
– Boa noite, lindo! – Dois beijinhos.
– Erica, como é bom te ver! – Ok, concedida a licença para ser clichê. – Nossa, o tempo só fez bem a você!
– Ha-ha! Imagina... Você sumiu mesmo, né?
– Feliz natal! Agora estou aqui presente de presente.
Mais daquela risada linda.
Eu sorri dignificado entre goles dignificados do meu daiquiri de pêssego e limão, enquanto ela se deliciava com uma caipirinha de maracujá. Não demoramos a reviver pessoas e situações da época da escola, até que as conversas avançaram pelo tempo e espaço.
– Mas você e esse seu primo costumavam ser próximos? – Ela acabou querendo saber.
Fiz uma busca por Matthieu na memória e, tudo o que encontrei foram imagens difusas de um garoto e a voz de minha tia:
“Ah, mas toda vida ele foi assim. Tirava a roupa por qualquer coisa! Nunca gostou de cueca, calça jeans... andou nu dentro de casa até os quinze. Foi um suplício até o pai o convencer a usar pelo menos esses shorts de futebol. Mesmo assim ele saía pela rua com as coisas balançando”.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Resenha (moderadamente) crítica: As Vantagens de Ser Invisível




Segundo Charlie, o personagem principal, uma obra em si pode até ser “muito interessante”, mas não é “muito boa” a menos que te faça sentir diferente no fim. E foi assim que eu me senti nesta segunda-feira quando terminei a leitura deste livro magnífico. Quando comecei a lê-lo, não gostei muito porque achei o protagonista bobo, meio retardado. Mas aí fui levando em consideração o contexto: um garoto de quinze anos no ano de 1991. Depois pensei em como eu pensava quando eu tinha quinze anos (não muito diferente). Depois fui entendendo as questões propostas pelo autor, e me encantando cada vez mais com a doçura e simplicidade com que ele me cativava a cada página, a cada carta. Sim, pois The Perks of Being a Wallflower é um romance epistolar. Um romance epistolar! Em 2013! E, por Deus, é maravilhoso!

Não é segredo para ninguém que eu sou fascinado por adolescentes, digo, por seu modo de vida e psicologia. Há muito tempo acompanho assiduamente filmes e livros com essa temática. Também não considero interessante (a princípio) histórias que não contenham, no mínimo, um desses três elementos: sexo, drogas, violência. Simplesmente porque a vida é assim. E As Vantagens de Ser Invisível tem todos! E não precisou ser um Skins pra isso. 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Conto: A Grande Mudança (parte 2 de 6)

Como prometido, aqui vai a segunda parte do meu conto para todo mundo! 

2

Os dias se empurraram para frente, engordurados pela agonia que crescia dentro de mim. Havia essa vontade de negar o que eu não gostava até que a coisa sumisse da minha cabeça. Enquanto isso, esperava obstinadamente pelo próximo evento marcante na minha vida: a chegada de Matthieu, só pra sair da rotina. Não que não gostasse da rotina, pois a mente ocupada era uma cruz para meus demônios.
Eu estagiava em RH na F&G Visual Mídia, um empreguinho arranjado de qualquer jeito, mas que pelo menos me aproximava da minha área – fisicamente. Estava quase superando o choque entre a realidade acadêmica e a profissional quando eu e Catarine terminamos, e as coisas estavam me estressando a ponto de fazerem com que eu me voltasse completamente para o trabalho.
Nas sextas-feiras após o expediente, Homero (meu chefe) e eu frequentávamos o Talismã Café. O fato de eu ter sido gentil com ele numa época em que ninguém mais o valorizava me rendeu meu emprego atual e sua amizade.
Enquanto esperava por ele, tomava uma cerveja deliciosa. Hoje penso que o sabor daquela bebida vinha mais da minha tensão que dos ingredientes cinematograficamente mostrados no comercial. Podia ser qualquer coisa ali: água, Coca-Cola, sulfato ferroso... Em todo caso, senti-me eufórico ou animado e cheio de expectativa, então olhei para a moça do meu lado e perguntei:

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Livros de Papel, por Shougo Makishima*


Os livros não são apenas coisas que você lê. São como uma forma de meditação.

Às vezes, quando eu não estou me sentindo bem, eu leio livros, mas não os absorvo, para ser franco. Quando isso acontece, eu começo a pensar no que poderia estar me atrapalhando. E alguns livros eu consigo absorver até mesmo quando não estou me sentindo bem. Às vezes eu me pergunto o porquê.
Pode ser algum tipo de condicionamento mental. Eu acho que tem algo a ver com o estímulo que seu cérebro recebe ao virar uma página. A sensação de virá-las, uma a uma.

Conto: A Grande Mudança (parte 1 de 6)

Ei, mas eu não esqueci do blog! Há muitas coisas em andamento mesmo enquanto eu escrevo aqui. Algumas delas, muito boas para o Minhas Drogas e, consequentemente, para os leitores! \o/ 
Então por enquanto vou postando aos domingos - e hoje tem historinha! Meu mais novo conto que, devido ao tamanho, será postado em 6 partes. Chega de conversa ^^

cocoon  by ~deadums



A GRANDE MUDANÇA - 1


Eu era um desses caras moderadamente bem sucedidos saindo da universidade e entrando na casa dos vinte e poucos ao mesmo tempo em que meu primeiro emprego me abria as portas. Bem menos fatigado pela velha sensação de que as coisas ainda iam melhorar, tentava não me ofender com as piadas internas da vida e seguir em frente com a melhor cara possível.
Morava sozinho num bom bairro e podia ser visto com meus cabelos por cortar, barba por fazer, magreza e brancura com um olhar perdido a estapear os bolsos obstinadamente, checando pela milésima vez onde estavam as chaves, a carteira e o celular, acumulando apreensões de rotina antes de atravessar a rua para o mercado que frequentava.
Foi lá, certa vez, enquanto calculava mentalmente o valor das compras e me esquivava dos velociraptors entre as prateleiras inflacionadas que eu vi, mas fingi que não, depois ouvi...
– Jean? – minha ex pipocava de trás da sessão de limpeza. O cabelo loiro ressecado e o corpo esguio enfiado numa camiseta básica e num jeans repugnante acima dos joelhos rosados. – Jean Marques, eu sei que você me viu!