terça-feira, 2 de setembro de 2014

Epifania de um menino

Abro a torneira da pia do quintal e fico olhando a água encher a bacia. São dez da manhã de um dia de verão e eu estou de férias. Acordei às oito e tomei café assistindo desenho, mas como já acabou, decidi vir brincar. A bacia é meio grande, verde e a água reflete uns cacos de luz do sol ao ondular enquanto eu, com certo esforço e medo de derramar tudo, tiro-a dali para o chão.
Nela coloco meus brinquedos: uns cinco dinossauros, um homem-aranha, dois carrinhos e uns dez soldadinhos verdes.
Fico intrigado com o fato de alguns boiarem e outros não. Os que boiam eu empurro para baixo e eles emergem novamente, oscilando na superfície. Sorrio. Brinco um pouco com eles ali, simulo lutas e faço todas as vozes e efeitos sonoros do filme que se desenvolve na minha cabeça. É mágico: nesse momento tudo na vida é só isso.

Boysinha no busú

Estou num demorado ônibus a caminho do trabalho, no maior desconforto e sacolejo pela via mais distante rumo ao meu destino. Porém essa não é a pior parte da viagem. A coisa que torna mais difícil a minha permanência nesse coletivo é a presença de uma criatura do sexo feminino que insiste em falar extremamente alto. Ela tem uma aparência que muito me desagrada e está estigmatizada pelos ideais locais de como uma "boysinha que bota moral" é. Tudo nela vai contra o que eu acredito, eu abomino todas as suas características. Ela pode até ser uma boa pessoa, não é de caráter que falo aqui. É do seu comportamento reprovável, sua linguagem corporal ofensiva, seu discurso carregado de humor infeliz e sua postura sem um pingo de nobreza. Isso gera em mim uma forte aversão, praticamente instantânea. O conflito que resulta da minha negação é o que me angustia. Ela não me faz nada de mal diretamente. Eu que o faço, ao estipular ideais de comportamento para as pessoas. Mas mesmo isso não é gratuito. Eu poderia não desgostar da jovem, poderia até mesmo acha-la o máximo e que ela vale tanto quanto pensa. Poderia se não conhecesse nada além disso. O problema é que eu já estive exposto a garotas que eu realmente achei bonitas e bem comportadas. Garotas cujas palavras e senso de humor perfumam o ar. Cujas roupas são um deleite para os olhos. A verdade, se o leitor ou a leitora me permite, é que eu estou decepcionado e triste por esta garota da periferia ferir os meus ideais. Meu desprezo vem do incômodo que é transitar entre as distintas atmosferas em que habito: conforto e miséria, cultura e ignorância, cool e trash. Vem da dificuldade em lidar com as diferenças, com o que não está ali para me agradar, com aquilo cuja existência independe da minha e, o mais doloroso: com aquilo que eu não posso controlar. Essa sensação de falta de controle, de estar diante de algo selvagem, amedronta-me, ameaça-me a integridade. Meu mecanismo de defesa não poderia ser mais estúpido: eu tento inferioriorizá-la socialmente dentro da minha cabeça para que possa me sentir soberano. Ela vai descer do ônibus a qualquer momento e seguir sua vida à sua maneira, fazer tudo o que eu jamais faria, inclusive, quem sabe, ser feliz sem se importar com qualquer merda que possam pensar de ela.

Meu problema em falar sobre política

Não é de hoje que eu fujo de conversas sobre política como o diabo foge da cruz. Esse assunto figura entre os meus "proibidões", meus "tabus voluntários", como futebol, religião, sociedade e trânsito. Não é por não gostar ou não falar que eu não pense sobre eles, muito pelo contrário. Eu penso neles e muito! Mas conversar... Detesto esses assuntos porque trata-se de momentos em que, ao invés de se falar pensando coletivamente, as pessoas assumem uma postura individualista, querendo impor suas opiniões como uma verdade absoluta.

É especialmente na política que essa característica do discurso se mostra mais presente para mim - e não poderia ser diferente! Ora, os políticos querem defender seus ideais, os eleitores querem um representante com quem eles se identifiquem, então uma coisa puxa a outra. Mas o problema é que, como já falei, eu não vejo, da parte de ninguém, um pensamento coletivo.

Eu não entendo de política. Não faço a menor questão de entender. Isso porque a coisa é tão complexa que chega a sobreviver de si mesma e eu, um simples cidadão e eleitor forçado, vejo-me exposto a conversas completamente desinteressantes, com discursos que vem sendo repetidos, reproduzidos sabe-se lá desde quando, como se ouvisse uma conversa por telefone entre desconhecidos.

Nessa época, o meu maior desejo é sumir desse país. Esse povo briga, então vota, faz festa e chora quando elege, depois passa o mandato inteiro reclamando, xingando e, nas eleições seguintes, faz tudo novamente! Eu não aguento mais essa babaquice!

Por mais que tente me isentar, em todos os lugares que frequento (exceto na sagrada casa de minha mãezinha querida) esse assunto impera e me ataca. Eu não me importo com quem ganha ou deixa de ganhar! Se eu não levantar minha bundinha da cadeira e não for trabalhar e estudar, minha vida não melhora nem 0,0000000000001%, e não é por causa do governo que vai melhorar!

Todos os candidatos à presidência são horríveis! São loucos! Diante de péssimas opções, o que eu posso fazer? Votar, como todos dizem, no "menos pior". Por isso, não vejo a hora de essa palhaçada que chamam esquizofrenicamente de festa da democracia acabar!

Deixo aqui registrados os meus sentimentos. Que droga. Por favor, me desculpem.