quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Aprendendo a conviver com aquilo que falta



Desde que eu era criança, um pensamento cruel me afligia: como será para um cadeirante acordar todos os dias e ver tanta gente andando com as duas pernas por aí? Sabendo que a maioria dos problemas de sua vida se dão por causa disso, que tudo seria diferente se ele pudesse andar... Ou como seria ser cego, surdo ou mudo num mundo dominado por pessoas que possuem a habilidade de enxergar, ouvir ou falar... Até que eu acabei experimentando essa sensação (ou quase).

Há um mês eu me casei com o amor da minha vida e estamos muito felizes sim, obrigado. Mas uma recente visita à minha mãe me revelou algo que o meu projeto de vida estava ocultando há anos: eu MUITO provavelmente não darei um neto à minha mãe porque sou homossexual* e foi terrível ver os meninos de uma geração depois da minha aparecendo um depois do outro com seus filhos no colo, ver as amigas da minha mãe todas comentando sobre como é ser avó e como elas ficam bobas com os netos nos braços.

A partir daí eu fui entrando numa espiral de percepções de todas as coisas que me faltam, de tudo que eu queria ter conquistado a essa altura da vida e ainda não conquistei e que, assim como os bebês, as pessoas esfregam na minha cara diariamente mas eu simplesmente aprendi a lidar com isso. Então eu sei que daqui a pouco eu vou estar bem de boas com esse assunto e esse buraquinho no meu coração vai ter se fechado.

É triste que a gente se acostume com aquilo que nos falta? Sim e não. Desde que a vontade de conquistar outras coisas não morra por isso. É evidente que nossos pais passaram por fases dificílimas de negação assim como nós. Mas nem tudo o que a gente quer é o melhor pra gente. É muito bom quando nossos desejos se realizam, mas há milhares de pessoas no mundo que vivem plenamente sem essas coisinhas que achamos que nos faltam. Há deficientes físicos ou mentais que são exemplos de vida, a quem falta muito mais do que certos mimos que sofremos para ter, e ainda assim conseguem continuar sonhando. É um pensamento clichê, mas até que horas vamos precisar dele para aprendermos a valorizar o que temos e deixar de se angustiar por tão pouco?

Eu quero crescer com isso e me tornar mais forte, porque a vida não é pra todo mundo e sonhar é uma ousadia quase imoral.

*Sei que há inúmeros métodos de um casal gay ter um filho, mas me refiro às expectativas frustradas da minha mãe quanto ao método tradicional mesmo. É uma falta com a qual ela terá que conviver assim como eu.

Créditos da imagem: transverse by Sea-of-Ice

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O que aprendi durante o processo criativo



Hoje estava de bobeira, pensando coisas aleatórias, quando veio à minha mente que em uma tarde de domingo, no início dos anos 2000, em que eu não quis ficar na rua brincando com meu irmão e meu primo, eu me sentei diante de uma mesinha no meu quarto, na minha antiga casa em Bayeux - PB, botei umas folhas de papel ofício na minha frente e simplesmente criei uma história em quadrinhos completa, com personagens diferentes e divertidos, um vilão maluco e um mundo completamente novo.

A história se chama Aefis, que é o nome do planeta em que tudo acontece, e começa quando Djack, um astronauta iniciante acaba se perdendo no espaço e indo parar nesse lugar desconhecido. Lá ele é encontrado por Liko e Jokêi, dois jovens rebeldes que estão no meio de um deserto tramando um plano para destronar o lunático Asfer - um fantasma com um dragão de estimação e um exército de humanóides com olhos de lesma numa planta gigante que lhe serve de castelo. Liko é explosiva e Jokêi é um gênio da tecnologia, ele trabalhava para Asfer e planeja usar o conhecimento adquirido lá para derrotar o tirano. Construiu sozinho o 51-13, uma aeronave extremamente bem equipada em armamentos e que ainda possui uma inteligência artificial. A própria casa onde Liko e Jokêi moram tem inteligência artificial e é para lá que eles levam Djack após resgatá-lo. 

O enredo se desenvolve bem e os personagens crescem junto à minha capacidade de desenhar quadrinhos. Acabei ficando muito bom nisso: roteiro, enquadramento, criação e desenvolvimento de personagens, finalização, tudo. Uma das coisas que me impressionam até hoje quando penso nisso, é o fato de eu ter uma imaginação tão fértil naquela época que me permitiu criar tudo isso em apenas uma tarde. Hoje, por outro lado, eu me vejo lutando desde 2014 com uma história incrível e original, mas nunca fico satisfeito com uma versão de roteiro do primeiro capítulo.

Vários fatores influenciam nesse processo: em 2003 eu só tinha uma preocupação, que era a escola. Hoje eu tenho várias. A vida adulta tem minado a minha capacidade de criar, e ela faz isso quando toma meu tempo, quando me deixa exausto, preocupado, ansioso... A nova história em que eu estou trabalhando é bastante complexa, então eu devo somar isso às coisas que estão tornando o processo mais lento. Agora que moro sozinho com meu namorado, eu achei que fosse ter mais tempo para me sentar diante do computador e criar coisas incríveis como as que eu vejo na internet, mas isso não tem acontecido. As minhas habilidades de escrita e desenho evoluíram naturalmente com o passar do tempo, mas em compensação, a chuva de obrigações que a vida fora da casa dos pais implica muitas vezes parece pesada demais para que eu possa continuar com essas atividades que amo tanto.

Então o meu objetivo agora é desenvolver uma rotina saudável em que eu não precise negligenciar as minhas obrigações para poder desenhar, ou deixar de dar atenção ao meu namorado, deixar de malhar, etc., porque obviamente essas coisas são importantes. Também tenho que me preparar para esses eventuais bloqueios criativos, fruto do stress e da ansiedade. A fórmula que usei para criar Aefis foi muito simples: peguei as coisas que mais gostava na época e montei um esqueleto para a narrativa, que funcionou muitíssimo bem.

Felizmente eu vou ter um tempinho para organizar isso tudo no meu dia e botar os desenhos, os filmes e as séries mais ou menos em dia já que estou de férias e vou ter aí uns 31 dias de descanso. Outro ponto positivo é que eu ainda consigo evocar aquele momento de sinestesia de quando eu me sento para desenhar e boto umas músicas e viajo, esquecendo do mundo e de tudo mais que tem nele.

Atualmente tenho dois projetos: Solar (imagem de abertura desse texto) - uma história em quadrinhos super complexa, praticamente coisa dos Watchowiski - e as tirinhas Camomila (abaixo). Quanto à produção literária sem ilustração, não estou fazendo nada, infelizmente. Esses dias me peguei relendo o blog que eu mantinha com detalhes da produção de Oak School, minha série de romances inacabada, e fiquei impressionado com a minha habilidade com as palavras naquela época (2011-13).

Quero voltar a ser aquele Gilson criativo, que produz muito, porque essas coisas realmente me deixam muito feliz, independentemente de lucro, de reconhecimento, dessas bobagens. Eu de fato sinto prazer enquanto estou fazendo essas coisas e não devo parar jamais. Já que não vou ganhar dinheiro com isso - já passou tempo suficiente desde que eu comecei; se fosse para dar certo, qualquer coisa já teria acontecido -, eu vou fazer coisas para mim, coisas que eu goste de ver e ler, assim como fiz Aefis 14 anos atrás.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Antiwave



Existe uma lei no universo - alguma modalidade da gravidade - que garante que certas coisas aconteçam, independentemente do quanto ignoramos ou tentamos fugir delas. Essa lei diz "se algo tem que acontecer, isso vai acontecer independente das circunstâncias." Embora muito se acredite em intervenção divina e muito se desacredite também, essa lei está aí na cara da gente. Posso dar como exemplo aqueles milionários que acabam ficando pobres. Ou gente que do nada acaba ficando ricaço (esse segundo exemplo, embora muito menos frequente, não deixa de ilustrar o que quero dizer. Outra coisa que funciona assim é a morte. Mesmo com o alucinante avanço tecnológico na medicina, a gente ainda tem que morrer (que saco!). Vou chamar essa lei de Lei da Inexorabilidade.

Pois bem, certa vez estava eu no Tumblr, como milhares de vezes, rolando milhares de fotos e textos pela tela. Obviamente não há como lembrar de cada foto que já vi, cada texto ou frase que já li. Sei que em algum lugar no meu cérebro, em algum sub-nível de consciência, deva ficar alguma espécie de armazenamento de baixo consumo de espaço, tipo um cache, que me dá a impressão de eu já ter visto certas coisas em algum lugar. Numa dessas horas de ócio e procrastinação no Tumblr, eu li um trecho interessante de um livro que eu até reparei no título, mas fiquei naquela de "ah, eu nunca vou ter tempo de ler isso". Li e gostei mesmo, mas a vida seguiu.

Mil anos depois, estava eu de plantão na escola onde trabalho com uma aluna que havia faltado a uma prova de química. Eu estava aplicando a prova. Ela era novata e eu geralmente tenho pouco a nenhum contato com novatos. Ainda mais do ensino médio, que só vejo uma vez por semana. Então, essa menina me viu falando com outros alunos, que estavam de detenção comigo, sobre desenho (porque eu tinha acabado de mostrar um desenho que fiz e que me orgulhei muito). Essa menina vai e fala "professor eu tenho que atualizar minha história no Wattpad" e eu "OI?".

Daí é fácil presumir que achei o tal livro do Tumblr, Secrets of the antiwave, de Skyler Clarke. Não sei sustentar um mistério por muito tempo, tudo bem. Mas gostaria de deixar registrado aqui que foi assim que eu percebi a tal lei da inexorabilidade e que é impressionante a complexidade da rede de fatos que jogou de volta o livro na minha cara, dizendo "você vai ler sim!", aqui na fila do banco, onde eu poderia estar vendo qualquer outra coisa na internet.

Quer apostar que se eu largar essa leitura agora, ela volta pra mim num futuro inesperado?

Imagem: Divulgação

domingo, 5 de março de 2017

Sleeplessly embracing


     Silenciosamente como um gif de filme pornô em câmera lenta. O céu lá fora estava cinza ao por do sol de uma tarde fria. Dentro de casa, sentia seus músculos pesados e moles como tentáculos gigantes de um molusco morto. Pendiam mãos e canelas da beira do colchão exposto - aquele lençol nunca passava uma única noite arrumado. Vários inícios de ideias geniais vinham à sua mente, mas aprofundar-se nelas era uma tarefa igual a pegar fumaça com as mãos. À medida em que a terra girava, notas sombrias vinham do tique-taque do relógio. Uma sensação de impotência se espalhava e se apoderava de seu corpo, fazendo-lhe afundar ainda mais em seu colchão. Fazendo-lhe encolher-se e esconder-se em seus lençóis. Era a existência que se recusava a existir.

     Vinha o sono. Durante o sono todas as dores de ser eram amenizadas. Sua mente se enchia de sensações agradáveis, ilusões mornas projetadas por seu cérebro. Aqui e ali um desejo subconsciente se realizava na ficção onírica, um fluxo prazeroso porém frágil.

     Enquanto sua cabeça era palco de devaneios diversos, o resto do corpo se aninhava como um filhote. Estava preso no campo magnético do desejo de se livrar de todas as aflições pertinentes que maculavam seu momento de procrastinação.

     Teve que se levantar ao som do despertador pelo que seria a milionésima vez. A noite passou tão rápido. Não deu pra descansar nada. A disposição das coisas naquela casa ia contra qualquer conceito de praticidade. As portas pareciam se deslocar um pouco demais para a direita ou esquerda. Pequenas frustrações que lhe matavam pouco a pouco todos os dias. Correndo numa esteira diariamente sem perder nenhum peso, andando num círculo vicioso, uma bola de neve. A impressão de se deslocar tanto pela cidade, indo e vindo para casa, era uma angustia esmagadora: como poderia andar tanto e nunca chegar a lugar nenhum? Esforços excessivos para resultados insignificantes se repetiam. Uma sucessão de eventos que lhe faziam pensar: "eu não acredito que estou fazendo isso". Lembrava-se de que já houve dias em que todas aquelas tarefas eram feitas com alegria, como seu coração se enchia de satisfação ao concluí-las. O rádio do cérebro toca seu tema mais incômodo: "When love is gone, where does it go? And where do we go?"

     Queria fugir da repetição. Queria romper o ciclo, mas mais uma vez vinha aquela penumbra, a sombra de todas as coisas ao fim do dia, no pôr do sol, que avançava sobre si de maneira opressora. Um tsunami quebrando sobre sua cabeça.

     Logo o banho quente, o pijama com seu cheiro adormecido e a taça de vinho acompanhada de uma barra de chocolate, suas músicas independentes que faziam a mente viajar, tudo isso como uma orquestra fazia tudo parecer perfeito, e que viver era aquilo. O sono vinha e era recebido com um abraço, uma passagem de trem por planícies esverdeadas onde eventualmente se via um pequeno lago. Estava tudo ali.

sábado, 4 de março de 2017

Seria um sonho se as pessoas vissem seus corpos como vêem as flores

Veias por toda parte?

Elegante!
~
Despigmentação na pele? Marcas de nascença?
Arrasa muito!
~
Cicatrizes? Marcas de arranhão?
Lindo!
~
Sardas? Verrugas? Marcas de espinhas?
Afe! Demais!
~
Curvas sinuosas?

Adorável!
~
Pequenina e magrinha?
Deslumbrante!
~
Falta alguma coisa?
Linda como sempre!
~
Sente-se a diferentona?
Você está fantástica!

Tradução livre deste post
Vamos nos amar como somos!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A Francesca (conto)




Apesar de cientistas afirmarem que a humanidade como nós a conhecemos hoje já caminha pela face da Terra há cerca de 50 mil anos, alguns indivíduos homo sapiens parecem fazer questão de refutar tal cálculo através de atitudes bastante peculiares, levando-nos a crer que só estamos aqui há apenas dois mil e poucos. Esse comportamento vai contra o que se espera de vinte e cinco vezes mais tempo de evolução e contra isso os cientistas não podem argumentar. No entanto, uma observação global revela algo bom para pessoas otimistas: Há evidências de que a humanidade teria evoluído em ritmos descompassados em diferentes partes do planeta. Há evidências também, de que os indivíduos mais evoluídos se concentram em determinado hemisfério do globo terrestre. Assim como há frequentes evidências de que “evolução” é equivocadamente interpretada como algo bom.

Façamos um paralelo entre dois lugares. De um lado, a França: país de pessoas sofisticadas, sempre lembrado por belezas como o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel. Seus perfumes são tão sedutores quanto sua literatura e idioma. O clima favorece a boa moda e a soma de tudo isso atrai a atenção, o carisma e os turistas do mundo inteiro. Do outro, a Francesca, município às margens de uma pequena capital no Brasil, que de maneira muito obscura tem alguma participação francesa em sua breve história (50 anos), e que é uma paródia de mal gosto de uma cidade, tendo as mesmas características que a França, só que ao contrário.

Certa noite, na Francesca, um grupo de nativos que teve acesso a microfones e caixas de som estava reunido, celebrando com muito escândalo a existência de uma entidade mística que tinha dois mil e poucos anos. Seu nome era Mana, filho de Goh – O tal Goh tinha fama de existir antes mesmo do universo. Os motivos da celebração incluíam: 1 - o grupo concordava com a existência da entidade unanimemente, embora divergissem sobre o propósito dessa existência, pois ela era meramente psicológica, então estava passível de múltiplas interpretações; 2 - os membros do grupo se alegravam ao expressar verbal e fisicamente submissão a Mana em troca de um lote no suposto mundo supostamente habitado por ele e seu pai; 3 - o grupo duvidava que a Mana sozinho reconhecesse seu mérito como servos, então precisava que seus indivíduos competissem, mostrando uns aos outros que estavam cumprindo bem o seu papel. A celebração seguia freneticamente.

A duas quadras de distância, morava Joel, que não conseguia descobrir se estava frio ou quente porque a temperatura de seu corpo estava completamente instável, devido a uma febre pertinente. Joel não conseguia também repousar, como recomendaram seu médico e sua mãe, justamente por causa da celebração na vizinhança. Em sua agonia, o rapaz tentava acalmar-se imaginando em que momento da evolução seu cérebro havia ficado diferente dos fiéis fervorosos que aparentemente nunca tinham dor de cabeça ou de garganta. Sua própria mãe, Dona Neta, também acreditava em Mana, seu pai Goh e outros personagens de um épico da baixa literatura milenarmente mal interpretado. Mas ela fazia parte de um grupo mais antigo e silencioso, porém com uma história sombria e sangrenta que ficou no passado e deu lugar a ovelhas cansadas. 

Criado para temer a Goh e amar a Mana, assim como seus ancestrais por motivos mesquinhos, Joel imaginava ter um propósito para todo seu sofrimento. Os adoradores acreditavam que Mana passou por coisas horríveis até reconquistar o lugar de onde foi posto pra fora após o conflito entre Goh e dois elfos rebeldes, dando início a uma guerra que de tão incoerente, passou a ser amplamente aceita. “Vamos balançar a cabeça e dizer que entendemos, porque nossas dúvidas são tão óbvias que pareceremos idiotas perguntando.”, diziam a si mesmas as pessoas que ouviam ou liam a história. Joel estava passando por coisas terríveis (ou pelo menos assim elas eram em sua cabecinha), mas aguentava firme e forte esperando a boa vontade de Goh reconhecer seu sofrimento e fazer algo a respeito para compensá-lo. Enquanto isso, ele nutria sonhos de um dia ir embora da Francesca e ser feliz ao lado de um homem que amaria por muitos anos.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Faith


Nunca pensei. A vida hoje parece tão diferente. É como se toda a mudança que eu sempre quis tivesse chegado de uma vez e agora eu não soubesse o que fazer com ela. O passado me parece fragmentos de um filme mal produzido e mal roteirizado que só podia contar com um protagonista cheio de paixão. Era ele e não a história o tempo inteiro. É realmente difícil de acreditar que tudo aquilo aconteceu: que eu estive em todos aqueles lugares, que todas aquelas pessoas eram de carne e osso ao invés de pontos piscando atrás das minhas pálpebras. Depois das feridas fechadas e do novo perfume desse cenário familiar, parece que tudo não passou de um delírio que eu tive à porta de casa e que eu nunca cheguei a sair de verdade. Há ainda a sensação de que eu estou traindo aquele eu ao encontrar tanta indiferença diante dos "fatos". Um pouco de culpa por estar feliz, por estar bem melhor assim, Mas isso que é paz. É assim que eu me reencontro com um "eu" de uma época ainda mais distante. É assim que fazemos as pazes.
Lírio dos vales, 16 de março de 2014 



Lírio dos vales foi escrito por mim há três anos. Pelo que me consta, época em que eu larguei a faculdade de Letras na UFPB para viver outras coisas. Curtir mais a minha casa e minha família, especialmente. O que me chama atenção nesse texto é o fato de, naquele momento, eu estar tão satisfeito com a minha decisão, tão seguro, que uma sensação implacável de paz se abateu sobre mim, varrendo os receios para longe ao simplificar tanto o passado que as lembranças ficam num limbo entre memória e devaneio.

Poucas vezes na vida eu me senti tão satisfeito com uma decisão. Aquela busca por satisfação comigo mesmo, que levaria à satisfação com a minha vida, estava apenas começando. A autocompaixão é uma coisa muito dura de se conquistar. Eu exigia muito de mim mesmo; minha própria professora da quarta série já me falou isso! Essa exigência foi muito mais severa na adolescência, levando a minha autoestima pelo ralo. Uma adolescência problemática assim só poderia me tornar num jovem adulto problemático, instável emocionalmente, carente, dependente, insatisfeito consigo, como muitas pessoas que eu conheço nessa idade hoje são.

Mas eu sempre tive fé que um dia eu iria entender algo que estava na minha cara o tempo todo, mas ao mesmo tempo algo tão importante que de duas, uma: Ou minha vida iria se desgraçar de uma vez e eu entraria em um colapso irreversível, ou eu conciliaria todos os meus pensamentos numa corrente fluida e coerente. 

Largar a universidade em 2014, terminar o relacionamento abusivo que vivi em 2015 e enfrentar uma área fora da minha zona de conforto no trabalho em 2016 foram coisas que me mostram que eu realmente tirei alguma coisa de tudo que eu vivi, de todas as coisas que deram errado.

Vez por outra eu estou enfrentando um probleminha que me entristece bastante, isso porque eu, como o resto da Geração Y, sou muito ansioso. Mas aí o que me resta é tentar controlar os impulsos (coisa em que eu estou me saindo muito bem) e ficar de olho em alguns sinais que a vida vai mostrando, que dizem coisas como "não faz isso", "experimenta tal atitude" ou "é por aí mesmo, ta dando certo".

Mesmo que eu faça um draminha, eu acho que estou conseguindo conduzir essa nave da melhor maneira possível e estou bem feliz com tudo isso. Ainda mais agora que escrevi esse texto. :)

P.S.: A flor ilustrando esse texto não é um Lírio dos vales. O motivo da escolha é que o título da fotografia é Faith.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Cada sarda sua - Tradução de 'Every other freckle', de Alt-J

Dê o play aqui

Oooaaahhhh
Eu quero partilhar da sua boca cheia
Quero saber de todas as coisas que os seus pulmões sabem tão bem
Eu quero me aninhar em você um gato se aninha num pufe
Virar você do avesso e te lamber como uma tampa de iogurte

Oh, ooh - Ei!

Você é o primeiro e último da sua espécie (me puxe como se eu fosse um animal num buraco!)
Eu quero ser cada alavanca que você puxa
E todos os banhos que te banham
Quero tatear você como um gato tateia meu casaco de lã
Ser seu Pequeno Polegar
E desfrutar de coisas pequeninas e belas

Ei!
Oh, ooh
Devore-me
Ooohhh

Lou, Lou, que cantem as meninas do cover
Ei!

Du, du du du, du du du duuuuu
Du du du,  du du du,  du du du du, du duuuuu
Du du du,  du du du,  du du du du du,  du du du du duuuu

Todas as mãos aplaudem
Você aplaudirá
Deixe-me ser o papel de parede que reveste o seu quarto!
Eu quero ser cada botão que você aperta
E todos os banhos que te envolvem
É, eu vou rolar em você
Como um gato num pátio de serragem - Ooohhh
Eu vou te beijar
Como o sol que te bronzeia

Ei!
Oh, ooh - Ei!
Devore-me
Oh, ooh - Ei!
Devore-me
Se você acha mesmo que consegue me digerir - Ei-ei!

Eu quero cada sarda sua
Eu quero cada sarda sua, sarda


Videoclipes
Versão Boy: https://www.youtube.com/watch?v=axTSc3e6wu8
Versão Girl: https://www.youtube.com/watch?v=-mhgfXgwdls

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Boa tarde. Desculpa interromper a sua viagem, mas eu gostaria de deixar com você um pouco da palavra do seu cérebro


Muito bem. O ano de 2017 chegou e com ele muitas promessas, expectativas, frustrações, (necessariamente nessa ordem) enfim, um tsunami de sensações e impressões com as quais nós todos temos que lidar fazendo uma cara boa ao mesmo tempo em que seguimos com nossas vidas, trabalhando, estudando, whatever... Pois bem, estava eu hoje, voltando pra casa, refletindo, esmagado pelo reconhecimento de toda a existência, quando um pensamento emergiu da minha mente borbulhante e angustiada.

Antes de começar a falar sobre esse pensamento, eu gostaria de convidar o leitor a lembrar-se se às vezes, aparentemente do nada, vem uma tristeza daquelas, que te atinge como um raio. Numa hora você acha que está perfeitamente bem, em outra, uma coisa que você percebe (com seus sentidos ou pensamentos) inofensiva de repente te leva a uma linha de raciocínio degradante, seguida da sensação de que você está descendo num carrinho de montanha russa rumo a uma realidade devastadora.

Quando eu estava no carrinho de montanha russa, já me cagando todo com o vento da morte ressecando meus olhos e congelando a minha cara, veio um pensamento inesperado para uma crise de drama iminente. Uma voz na minha cabeça disse: 

Olha, desculpa interromper essa descida alucinante que você está fazendo, mesmo que embora você tenha o perfeito controle sobre os seus pensamentos e ainda assim mostre certa relutância de sair dessa, mas vem cá. Aqui entre nós, por que mesmo que você está tão triste, hein? Quero dizer, tudo bem, vá lá que você tenha seus motivos e tal. Mas vamos ser objetivos aqui: onde você espera chegar assim?

Na minha perplexidade, eu não fui capaz de conceber uma resposta imediata, é claro. Mas pensando melhor sobre o assunto (e você já deve esperar que eu diga o que vem a seguir), a voz na minha cabeça tinha razão.

Naturalmente ser adulto, assim como todas outras fases da vida, proporciona certos conflitos com os quais a gente tende a se sentir incapaz de lidar. Por isso nossa espécie desenvolveu um superpoder para resolver um problema que nós inventamos para nós mesmos justamente quando começamos a pensar: o raciocínio. É simultaneamente genial e desesperador que isso seja tanto o problema quanto a solução, mas vamos lá. Raciocinar nos levou a desenvolver a linguagem entre nós e outros seres humanos. Então desde antes da fala, nossa espécie já tinha um jeitinho bem peculiar de se expressar e a comunicação só existe quando há um propósito na mensagem.

Então, primeiro: eu já sei que uma onda de tristeza vem da minha insatisfação com algumas coisas, da minha sensação de impotência diante de certos fatos ou circunstâncias que eu gostaria que fossem diferentes. Segundo: quando eu mergulho em um poço de tristeza, ou pelo menos começo a colocar os trajes de banho listrados em preto e branco à la Tim Burton, eu estou dando ao meu corpo a oportunidade de se expressar por mim, sem intervenção do meu raciocínio e uso consciente da linguagem. Isso porque certamente haverá uma resposta física à minha situação psicológica que é involuntária e típica desses momentos: ombros caídos, passos lentos, semblante abatido e um silêncio desesperado para ser ouvido (para que percebam que eu não estou falando). Isso tudo significa que nessa hora eu estou permitindo que meu corpo se comunique com os outros seres humanos e diga  a eles que eu não estou sendo capaz de lidar com as coisas que estão me afligindo.

Por que isso é ruim? Ora, "por que"! Isso me mostra frágil e dependente e, bem, na vida adulta, fragilidade e dependência não são necessariamente grandes qualidades, não é mesmo? O que a gente gosta é de ser capaz de ir lá e resolver nossas coisas sozinhos. De conseguir se virar emocionalmente pra que as outras pessoas, que também são bem frageizinhas, queiram ficar perto da gente porque pra elas, a gente é normal.

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

É sério. Cala a boca.

A essa altura do texto eu não lembro exatamente porque eu estava começando a ficar triste, mas agora parece tudo muito bobo. É bom às vezes esmiuçar essas sensações negativas, sabe? Ir lá bem fundo e tentar descobrir realmente de onde elas vêm e brincar um pouquinho com elas na cabeça. Vale à pena sentar e chorar um pouquinho? Claro que vale. Deitar no chão no banheiro em posição fetal com chuveiro ligado ao som de músicas tristes, mandar textão pro melhor amigo (ou horas de áudio que ele vai odiar, mas vai ouvir, ainda que provavelmente enquanto passa um pano na casa ou procurando alguma coisa pra ver na Netflix), etc. Porém, antes de tomar *bebidas* drásticas, provocar um pouquinho o seu cérebro pode ser divertido e te tirar da bad rapidinho.