sexta-feira, 10 de abril de 2020

Sins of my youth

I've got these habits that I cannot break
And as I'm older there is more at stake
Go ahead and call me fake but these are the sins
The sins of my youth”






Você acorda e é isso. Parece que estar vivo é ter que encarar a mesma realidade todos os dias, preso dentro do mesmo corpo, vendo a paisagem mudar ao seu redor como se estivesse olhando pela janela de um carro. Mas a sensação é de que você não está em movimento; a Terra é que está.

Então a rotina gera hábitos automáticos que o corpo logo se apressa em executar. Fazer xixi, olhar pela janela, olhar o celular. É fácil ceder a velhos hábitos aos quais a mente se acostuma. Se o hábito é nocivo, a gente custa a descobrir. O cérebro vai encontrar todos os argumentos possíveis para defendê-los.

Mas assim como as formações rochosas da Terra, que são esculpidas lentamente pela ação da chuva e do vento, a vida vai mudando sem que a gente sinta e alguns hábitos deixam de caber na nossa rotina ao mesmo tempo que vão deixando de fazer sentido. Ainda assim, o cérebro vai lutar para mantê-los. Você pode até tomar consciência e se ver num conflito, pensando “por que fazer isso?”.

As vezes esses hábitos podem ser a manifestação de um instinto ancestral, enraizado nos seus genes desde quando você vivia na floresta. O convívio social é responsável por reprimir muitos hábitos até que sejamos civilizados, mas mesmo anos dessa fantasia que a gente optou por usar não conseguem recalcar totalmente alguns desejos.

Mas se até uma estrela pode se apagar, por que um desejo não pode morrer? Claro que pode! Demora. É um processo lento e doloroso, mas acontece. Você testemunha a coisa acontecendo. É como perder o poder de voar num sonho. Você para de planar, depois passa a dar alguns saltos (cada vez mais baixos) e quando se da conta, só consegue caminhar.

A morte natural de um desejo ou o abandono consciente de um hábito (ou vício) deixa um buraco em você. A mente não sabe lidar com buracos. Se não ficar esperto, você pode trocar um vício por outro. Essas coisas são parasitas e vão se alojando cada vez mais profundamente, alimentando-se dos conflitos que a gente não sabe como lidar em troca de uma falsa sensação de alívio. Mas somente quando você os arranca dali, é que da pra ver o estrago que causaram.

E quanto mais velho o hábito, vício ou desejo, pior é lidar com eles. É difícil dizer a idade dessas coisas. As vezes, parece que elas estiveram ali a nossa vida inteira. Isso porque as nossas lembranças se sobrepõem, confundindo a nossa percepção da passagem do tempo, e uma maneira da gente lidar com isso é recalcular esse tempo de um modo subjetivo e favorável ao nosso ego. Esse cálculo chega a ser tão absurdo que somos capazes de alterar memórias para poder suportar com o modo como as coisas nos afetam.

Hoje existe, principalmente entre os adolescentes, o costume de se expor na internet. É uma prática que vem do instinto primitivo de pertencimento a um grupo, a qual favorece a autoafirmação dos indivíduos e consegue dopa-los temporariamente para que esqueçam de seus conflitos. E nessa fase, a quantidade e intensidade de conflitos é arrasadora. Tire o celular das mãos de uma pessoa dessas e você estará tirando a chupeta de um monstro adormecido.

Tanto instintos quanto atitudes civilizadas tem seu valor. É impossível viver em uma dessas extremidades e isso não significa que todo o nosso ser está em um único ponto dessa escala. Minha sexualidade vai estar em um nível de instinto, enquanto minha comunicação vai estar em outro nível de civilização simultaneamente. O desafio é saber se posicionar de um lado ou de outro escolhendo o momento certo e desenvolver a habilidade de decidir até quando um hábito pode ficar, de modo que, quando eles sejam abandonados, causem o mínimo de dano possível.


quarta-feira, 1 de abril de 2020

Crawling

Sometimes I like to get up earlier than my husband just to spend some time by myself. After almost four years together, there are some things that I like to keep hidden from him, just for the habit of having some things for my own. One of these things is the pile of paper that I’ve gathered since the late 2000’s containing a lot of personal bullshit which I called “Penseira”.

I have written here before about these journals I used to write, but I haven’t ever gone as deep into one of them as I did this morning. And here’s my reaction to my 2009 version written down in that diary - in English, as they used to be written to prevent any of my relatives from reading them.

What I like most about these diaries is how open I was about my feelings. There was no judgement about what I was supposed to feel or not, I just felt it. Now I either struggle to admit or to understand what I’m feeling, let alone to put it on paper! (Well, I’ve been trying - otherwise this blog wouldn’t exist). But in that time I’d write mostly about everything. Small details with names, colors and pictures. The only problem I see here is that everything was too much.

Going through those pages I could sense how much those things would get to me and make me extremely sad or extremely happy. I was in a constant hysteria and my emotions were like a time-bomb. And to top it off, I had come to a point where I’d do pretty much of everything to date some boys who were much less than I could see at the time.


That was the year before I started university and it was almost erased from my memory, but reading the “articles” I realized how determining that year would be to me and my personality: I made a transition from dazzled and naïve to attentive and joyful. 2009 was the year when I went to most parties and hangouts, when I dated most boys, when I cut the cord from my second group of friends who were leading me in a direction which was not the best for me and when I started to teach.

By all this I can only conclude that despite of all the issues that I clearly had - and here I leave the question “why was I like that? Why have I always been different?” - I could get along better than I expected. I’ve lived the life I wanted the way I could, also considering the amount of shit that came afterwards. I’m thankful to myself for being so jolly even being so hurt all along. 

Wow, I even had to have a break at writing at this point because this last sentence hit me like a rock. It’s so good to finally have this caring look upon my old self and being able to see the silver lining in the whole thing - instead of being so mean and judgmental He was the legitimate owner of the quote “the pains of being pure at hart are not pains at all”.

I’d never imagine that I’d be here eleven years later writing a text about it from an iPad in my own apartment where I live with my husband (making a hot and beautiful couple) and two perfect dogs, having two great jobs after an international trip and having had sex with way better men. Well, what can I say? I’m just living the dream.


terça-feira, 31 de março de 2020

In between

Eis que eu estou aproveitando o dia para relaxar junto ao meu marido e de repente sinto essa enorme sensação de descontentamento dentro de mim. Eu estava justamente folheando um dos meus diários quando a compreensão da situação tomou conta de mim de maneira inesperada.

Primeiro, um lampejo de uma frase para Twitter sintetizando que eu sentia de maneira irônica e publicamente aceitável para os padrões da internet: “Caught up in between sadness for being alone and bored by unsolicited company”. Foi aí que eu me dei conta de que essa sensação de incômodo não deve vir do fato de eu estar sozinho ou acompanhado, mas (e aí vem a marretada) da minha incapacidade de admitir a má administração do meu tempo, o que me faz tentar responsabilizar meu marido - o mesmo que eu fazia no meu passado, jogando a culpa para a minha solidão.

Foi por reconhecer isso que eu já tinha voltado a desenhar e a escrever. Mas permanecia a impressão de que para poder fazer essas coisas eu precisaria me aproximar mais de mim, consequentemente me distanciando mais dele. Ainda reconheço certa verdade nisso, mas não é nada que não possa ser combatido. 

Pra embrulhar tudo, eu lembro de uma ciosa sobre os norte-americanos que desde que percebi, não consegui deixar de admirar: eles dão o máximo de si para que as coisas saiam perfeitas. Isso é muito perceptível em RuPaul’s Drag Race, onde você vê pessoas fazendo de tudo para ser os melhores entertainers. “When something bad happens, you just work it out!”. E eu acho que é isso, sabe? É você dar um jeito, independente de como você se sente naquele momento. “Just be professional”.

Pensando assim foi que vi uma postagem no perfil do Instagram "Sobre saúde mental", na qual um print do twitter dizia que ninguém é obrigado a dar cem por cento de si porque ninguém é perfeito com o qual eu só poderia discordar porque isso legitima pensamentos desestimulantes que retroalimentam a baixa autoestima. Acho que a gente tem que se dar ao máximo aquilo a que nos propomos.

E voltando ao meu caso, eu, assim como tantas pessoas, sempre vamos encontrar desculpas internas ou externas para validar a nossa falta de afinco sempre que procurarmos. Por isso, nada melhor do que sentar e refletir sobre aquilo que sentimos para não penalizar inocentes.


quarta-feira, 25 de março de 2020

The old factory mind



Essa fábrica é a minha mente. Um lugar que foi concebido para produzir algo específico - e assim o fez durante muito tempo -, mas foi necessário cessar a produção. Agora a antiga fábrica encontra-se sendo tomada pela luz do sol e pela natureza. Ela está muito mais bela assim e feliz por servir a um novo propósito.

Um olhar mais atento revela a presença de tanques de guerra à direita, o que pode nos revelar que o interrompimento das atividades naquela fábrica não foi uma coisa natural. Houve um conflito. E o conflito ficou inacabado, pois os tanques, mesmo após o evidente término da guerra, continuam ali. Agora são parte do cenário devastado, mas que abriga uma atmosfera de paz.

As sombras se esticam no chão à medida em que o sol se põe. Assim percebe-se que o dia está para chegar ao fim. É praticamente possível se sentir o vento entrando pelo teto bombardeado e o frescor das áreas que não são tocadas pelo sol. Uma sensação ancestral que foi perdida e que custou muito para ser recuperada. Uma sensação que durante muitos anos foi apenas um sonho distante.

Mas agora está tudo diferente. "Now is the time of our comfort and plenty / these are the days we've been working for / nothing can touch us / and nothing can harm us / nothing goes wrong anymore", como se ouve na canção Love is the end, da banda Keane. A fábrica não quer ser reativada, não quer ser transformada em outra coisa. Ela está desempenhando perfeitamente bem o seu papel de ruína.

É uma imagem que você simplesmente aceita. Não importa se é uma ilustração ou fotografia, mas o que se sente através dela. É lá que estou morando. É isso o que eu sou agora.

domingo, 28 de janeiro de 2018

O fim dos sonhos


track: 



Why must we fall apart to understand how to fly?
I will find a way
even without wings
Follow your heart till it bleeds
as we run towards the end of the dream


Desde que comecei esse relacionamento com R., há mais de um ano, eu vinha enfrentando dificuldades para me reconectar comigo. Era a necessidade de passar um tempo sozinho, fazendo as coisas que eu gosto, fragmentadas como sempre, por causa dessa minha vontade de fazer tudo, experimentar de tudo um pouco, com uma pressa absurda, uma ansiedade como se temesse morrer na manhã seguinte. Esse tipo de coisa que me leva a não concluir as coisas. Ele mesmo já apontou esse defeito em mim, que agora vejo, de alguma forma está se estendendo a ele. Não quero que ele enfrente o mesmo que eu. Antes de nos conhecermos ele parecia ter uma vida bem mais tranquila.

Agora que nos casamos e ele está trabalhando, eu finalmente estou podendo aproveitar o dia sozinho. Isso me dá bastante espaço. Aprendi que a convivência em casal não é o desejo de estar próximo ao outro como quando estamos nos apaixonando, mas aprender a dividir o seu tempo com o outro – não o ceder a ele. De qualquer forma, a vida de casado com alguém que você ama e te ama também, construindo um futuro juntos, é o sonho de muita gente - inclusive o meu. Mas esse sonho tem um preço.

A vida adulta tem sido muito proveitosa e rica em experiências e aprendizados, mas na maior parte do tempo mais parece uma sucessão de tentativas esforçadas para frustrações iminentemente inevitáveis. A ansiedade permeia os cantos da casa, uma longa espera por algo que achamos que está para acontecer, algo que vai melhorar nossas vidas, nos dar mais tempo para aproveitar a juventude que nos resta. Eu sempre com essa minha crença de que em algum momento vou ter tempo para criar e desenvolver algo significativo, de relevância artística admirável e que será reconhecido – um livro, uma ilustração, uma história em quadrinhos... estou aprendendo uma dura verdade para minha alma de menino: essas coisas não vão se concretizar. As circunstâncias me levam a tomar atitudes em prol da minha sobrevivência: tudo é dinheiro, dinheiro e dinheiro, pois sem ele não temos nada. A verdade é essa.

É doloroso reconhece as coisas que não posso fazer. Quando era criança, eu tinha que lidar com o não que meus pais me diziam. Hoje, sou eu que tenho que falar esse “não” para muitas das coisas que eu quero. Pelo menos já parei de olhar para o lado e me sentir mal pelas conquistas das outras pessoas, porque enfim reconheci as minhas próprias. Já fiz as pazes com as minhas inadequações e aprendi a me perceber como alguém que é amado.

Ser amado implica em algumas responsabilidades. Eu me lembro que na adolescência havia um grande conflito em que eu não conseguia me amar. Eu havia determinado que o ideal de ser era algo inatingível para mim. Isso foi a maior crueldade pela qual eu já passei. Na realidade, aquela pessoa que eu era, mas não queria admitir, já era amada pelas pessoas mais importantes para mim. Assim como hoje. Eu não sou tudo que gostaria, mas sou amado do jeito que sou e é minha responsabilidade cultivar esse amor. Viver sem ser amado é a coisa mais triste que eu posso imaginar. Mesmo se você estiver à beira da morte numa cama de hospital e tiver alguém do seu lado, segurando a sua mão, isso ainda é melhor do que não ser amado.

No meu novo trabalho eu conheci uma mulher que não é amada – ou pelo menos aparenta não ser. Ela tem uma história frustrante: fracassada profissionalmente, frustrada como mãe, incapaz de lidar com pessoas e agarrada a ideais que não lhe cabem. Sinto que fui mais um a atirar-lhe uma pedra, mas isso foi fruto da minha imaturidade, fruto do meu medo e da minha intolerância. Ela também vive assombrada por um medo bastante específico: o medo de essa vida passar e ela não realizar nada que mereça ser lembrado. Medo esse, partilhado por mim.

Estou vivenciando uma fase que gostaria de chamar de o desvio do sonho. Acredito que é a segunda vez que isso acontece. Mas, ao contrário da primeira, pelo menos que eu me lembre, dessa vez não é uma escolha minha. Quando era criança, queria ser paleontólogo. Quem me conhece desde aquela época sabe o quanto eu era fascinado por dinossauros. Paleontólogo é uma palavra e tanto para um menino de doze anos. Mesmo sendo o esquisito da escola, ainda hoje eu tenho orgulho do menino estudioso e inteligente que fui. No meio do caminho isso se perdeu. Comecei a desenhar os dinossauros e desenhei tanto que comecei a me interessar mais por isso do que pela ciência em si. A arte começava então a entrar em minhas veias e foi assim que perdi o rumo do meu primeiro sonho. Cerca de cinco anos depois eu já não me lembrava mais a que período da era mesozoica pertencera o Pachycephalosaurus, mas sabia quais eram as principais obras do estúdio de mangás CLAMP. Foi nessa época em que eu comecei a estudar inglês, e foi na sala de aula do CCAA onde eu decidi virar professor desse idioma. O final do ensino médio coincidiu com as minhas primeiras produções literárias, por assim dizer. Minha sensibilidade artística se dividia entre as ilustrações e as narrativas do texto escrito, o que despertou meu interesse por quadrinhos. Mas foi a leitura dos sete volumes da série Harry Potter e o meu gosto por inglês que me fizeram optar pelo curso de Licenciatura em Letras. BAM! Segundo sonho deixado em modo de espera. Dez anos depois estou eu aqui, vivendo dos meus salários como professor, vendo-me forçado a não desenhar, porque simplesmente não consigo mais produzir nada de tão cansado que estou.

As voltas do mundo me levaram de volta ao CCAA, agora como professor em treinamento, concorrendo a uma vaga na escola de idiomas que mudou a minha vida. Foi preciso isso para que eu conhecesse uma amiga que me diria: “Eu não queria dar aula, mas foi com o inglês que eu consegui tudo o que tenho hoje. Não queria ser professora de jeito nenhum, mas aprendi a dar valor a isso”. Bom. Acho que é hora de admitir que a vida tem me dado todos os sinais necessários, tem literalmente jogado na minha cara qual o caminho a seguir. Viver de arte no Brasil é aquela coisa que todo mundo já sabe. Me dói demais ter que matar isso dentro de mim, mas não vejo alternativa.


Acesso à Penseira


A vida deu um salto desde a última vez que escrevi algum texto reflexivo. O fundamento desses textos, a princípio, era que eu tirasse algumas coisas da minha mente, de modo que pudesse olhar para elas de fora e analisa-las melhor – assim eu pensava. Bom, fosse esse o resultado ou não, a coisa funcionava de alguma maneira e me deixava mais leve. Além disso, eu praticava a escrita. Desde 2005 eu estou nessa de analisar minha mente. Tem sido bom. No período de 2012 até 2015, se não me falha a memória, escrevi no Eu podia estar bebendo, um blog meio pesado que usei para acompanhar como ia a minha depressão. Os textos lá são de altíssimo nível, mas muito tristes. Depois que melhorei, montei o Minhas Drogas – Esse era bem mais leve e tinha textos bastante interessantes. Eu me sentia muito bem escrevendo lá, fazendo análises e traduções e tudo que eu gostava. Então eis que ontem à noite me vi relembrando as espirais de ideias que motivavam os textos que eu escrevia no Eu podia estar bebendo só porque briguei com R. (meu marido).

Eu sempre gostei de escrever, estive pensando em montar uma história ou coisa do tipo. Rever as anotações sobre Oak School – um romance que criei nos primeiros anos da universidade (2010-2011) – me deixou nostálgico. Fiquei muito orgulhoso do meu potencial criativo na época. Aconteceu de eu não me reconhecer naquele texto, coisa que eu considerei positiva porque a maioria dos meus textos é bastante pessoal e aquele tinha toda a estrutura de um best-seller. Enfim, quando comecei a escrever meus diários, a minha ideia era que uns dez, quinze anos depois eu voltaria a eles como leitor e teria uma noção do meu amadurecimento. Isso realmente aconteceu: em 2016 eu fui lá e reli algumas páginas do diário de 2006. O eu de 26 anos lendo sobre a vida do eu de 16. Confesso que fiquei bastante preocupado com meu estado mental da época. É impressionante como a adolescência é dura! É igualmente impressionante como a vida adulta apaga essas memórias. Assim, percebi que uma coisa que conquistei com o passar dos anos foi a serenidade, ou seja, a capacidade de se colocar num estado de calma induzida para não enlouquecer diante das coisas que inevitavelmente vão acontecer na nossa vida. Mas e agora? Que registros eu tenho desde os últimos dois anos para quando eu tiver uns 40? Que tipo de jovem adulto eu vou me lembrar que eu era? Eu quero muito esse retrato porque, melhor que uma foto, o diário tem uma profundidade dramática muito interessante.

Esse blog constitui uma parte importante da minha produção. Aqui está registrado em forma de textos um status da minha visão de mundo e sensibilidade em um nível de fácil digestão. Estou feliz por voltar a escrever aqui.



Originalmente publicado em 18/Jan/2018

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Aprendendo a conviver com aquilo que falta



Desde que eu era criança, um pensamento cruel me afligia: como será para um cadeirante acordar todos os dias e ver tanta gente andando com as duas pernas por aí? Sabendo que a maioria dos problemas de sua vida se dão por causa disso, que tudo seria diferente se ele pudesse andar... Ou como seria ser cego, surdo ou mudo num mundo dominado por pessoas que possuem a habilidade de enxergar, ouvir ou falar... Até que eu acabei experimentando essa sensação (ou quase).

Há um mês eu me casei com o amor da minha vida e estamos muito felizes sim, obrigado. Mas uma recente visita à minha mãe me revelou algo que o meu projeto de vida estava ocultando há anos: eu MUITO provavelmente não darei um neto à minha mãe porque sou homossexual* e foi terrível ver os meninos de uma geração depois da minha aparecendo um depois do outro com seus filhos no colo, ver as amigas da minha mãe todas comentando sobre como é ser avó e como elas ficam bobas com os netos nos braços.

A partir daí eu fui entrando numa espiral de percepções de todas as coisas que me faltam, de tudo que eu queria ter conquistado a essa altura da vida e ainda não conquistei e que, assim como os bebês, as pessoas esfregam na minha cara diariamente mas eu simplesmente aprendi a lidar com isso. Então eu sei que daqui a pouco eu vou estar bem de boas com esse assunto e esse buraquinho no meu coração vai ter se fechado.

É triste que a gente se acostume com aquilo que nos falta? Sim e não. Desde que a vontade de conquistar outras coisas não morra por isso. É evidente que nossos pais passaram por fases dificílimas de negação assim como nós. Mas nem tudo o que a gente quer é o melhor pra gente. É muito bom quando nossos desejos se realizam, mas há milhares de pessoas no mundo que vivem plenamente sem essas coisinhas que achamos que nos faltam. Há deficientes físicos ou mentais que são exemplos de vida, a quem falta muito mais do que certos mimos que sofremos para ter, e ainda assim conseguem continuar sonhando. É um pensamento clichê, mas até que horas vamos precisar dele para aprendermos a valorizar o que temos e deixar de se angustiar por tão pouco?

Eu quero crescer com isso e me tornar mais forte, porque a vida não é pra todo mundo e sonhar é uma ousadia quase imoral.

*Sei que há inúmeros métodos de um casal gay ter um filho, mas me refiro às expectativas frustradas da minha mãe quanto ao método tradicional mesmo. É uma falta com a qual ela terá que conviver assim como eu.

Créditos da imagem: transverse by Sea-of-Ice

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O que aprendi durante o processo criativo



Hoje estava de bobeira, pensando coisas aleatórias, quando veio à minha mente que em uma tarde de domingo, no início dos anos 2000, em que eu não quis ficar na rua brincando com meu irmão e meu primo, eu me sentei diante de uma mesinha no meu quarto, na minha antiga casa em Bayeux - PB, botei umas folhas de papel ofício na minha frente e simplesmente criei uma história em quadrinhos completa, com personagens diferentes e divertidos, um vilão maluco e um mundo completamente novo.

A história se chama Aefis, que é o nome do planeta em que tudo acontece, e começa quando Djack, um astronauta iniciante acaba se perdendo no espaço e indo parar nesse lugar desconhecido. Lá ele é encontrado por Liko e Jokêi, dois jovens rebeldes que estão no meio de um deserto tramando um plano para destronar o lunático Asfer - um fantasma com um dragão de estimação e um exército de humanóides com olhos de lesma numa planta gigante que lhe serve de castelo. Liko é explosiva e Jokêi é um gênio da tecnologia, ele trabalhava para Asfer e planeja usar o conhecimento adquirido lá para derrotar o tirano. Construiu sozinho o 51-13, uma aeronave extremamente bem equipada em armamentos e que ainda possui uma inteligência artificial. A própria casa onde Liko e Jokêi moram tem inteligência artificial e é para lá que eles levam Djack após resgatá-lo. 

O enredo se desenvolve bem e os personagens crescem junto à minha capacidade de desenhar quadrinhos. Acabei ficando muito bom nisso: roteiro, enquadramento, criação e desenvolvimento de personagens, finalização, tudo. Uma das coisas que me impressionam até hoje quando penso nisso, é o fato de eu ter uma imaginação tão fértil naquela época que me permitiu criar tudo isso em apenas uma tarde. Hoje, por outro lado, eu me vejo lutando desde 2014 com uma história incrível e original, mas nunca fico satisfeito com uma versão de roteiro do primeiro capítulo.

Vários fatores influenciam nesse processo: em 2003 eu só tinha uma preocupação, que era a escola. Hoje eu tenho várias. A vida adulta tem minado a minha capacidade de criar, e ela faz isso quando toma meu tempo, quando me deixa exausto, preocupado, ansioso... A nova história em que eu estou trabalhando é bastante complexa, então eu devo somar isso às coisas que estão tornando o processo mais lento. Agora que moro sozinho com meu namorado, eu achei que fosse ter mais tempo para me sentar diante do computador e criar coisas incríveis como as que eu vejo na internet, mas isso não tem acontecido. As minhas habilidades de escrita e desenho evoluíram naturalmente com o passar do tempo, mas em compensação, a chuva de obrigações que a vida fora da casa dos pais implica muitas vezes parece pesada demais para que eu possa continuar com essas atividades que amo tanto.

Então o meu objetivo agora é desenvolver uma rotina saudável em que eu não precise negligenciar as minhas obrigações para poder desenhar, ou deixar de dar atenção ao meu namorado, deixar de malhar, etc., porque obviamente essas coisas são importantes. Também tenho que me preparar para esses eventuais bloqueios criativos, fruto do stress e da ansiedade. A fórmula que usei para criar Aefis foi muito simples: peguei as coisas que mais gostava na época e montei um esqueleto para a narrativa, que funcionou muitíssimo bem.

Felizmente eu vou ter um tempinho para organizar isso tudo no meu dia e botar os desenhos, os filmes e as séries mais ou menos em dia já que estou de férias e vou ter aí uns 31 dias de descanso. Outro ponto positivo é que eu ainda consigo evocar aquele momento de sinestesia de quando eu me sento para desenhar e boto umas músicas e viajo, esquecendo do mundo e de tudo mais que tem nele.

Atualmente tenho dois projetos: Solar (imagem de abertura desse texto) - uma história em quadrinhos super complexa, praticamente coisa dos Watchowiski - e as tirinhas Camomila (abaixo). Quanto à produção literária sem ilustração, não estou fazendo nada, infelizmente. Esses dias me peguei relendo o blog que eu mantinha com detalhes da produção de Oak School, minha série de romances inacabada, e fiquei impressionado com a minha habilidade com as palavras naquela época (2011-13).

Quero voltar a ser aquele Gilson criativo, que produz muito, porque essas coisas realmente me deixam muito feliz, independentemente de lucro, de reconhecimento, dessas bobagens. Eu de fato sinto prazer enquanto estou fazendo essas coisas e não devo parar jamais. Já que não vou ganhar dinheiro com isso - já passou tempo suficiente desde que eu comecei; se fosse para dar certo, qualquer coisa já teria acontecido -, eu vou fazer coisas para mim, coisas que eu goste de ver e ler, assim como fiz Aefis 14 anos atrás.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Antiwave



Existe uma lei no universo - alguma modalidade da gravidade - que garante que certas coisas aconteçam, independentemente do quanto ignoramos ou tentamos fugir delas. Essa lei diz "se algo tem que acontecer, isso vai acontecer independente das circunstâncias." Embora muito se acredite em intervenção divina e muito se desacredite também, essa lei está aí na cara da gente. Posso dar como exemplo aqueles milionários que acabam ficando pobres. Ou gente que do nada acaba ficando ricaço (esse segundo exemplo, embora muito menos frequente, não deixa de ilustrar o que quero dizer. Outra coisa que funciona assim é a morte. Mesmo com o alucinante avanço tecnológico na medicina, a gente ainda tem que morrer (que saco!). Vou chamar essa lei de Lei da Inexorabilidade.

Pois bem, certa vez estava eu no Tumblr, como milhares de vezes, rolando milhares de fotos e textos pela tela. Obviamente não há como lembrar de cada foto que já vi, cada texto ou frase que já li. Sei que em algum lugar no meu cérebro, em algum sub-nível de consciência, deva ficar alguma espécie de armazenamento de baixo consumo de espaço, tipo um cache, que me dá a impressão de eu já ter visto certas coisas em algum lugar. Numa dessas horas de ócio e procrastinação no Tumblr, eu li um trecho interessante de um livro que eu até reparei no título, mas fiquei naquela de "ah, eu nunca vou ter tempo de ler isso". Li e gostei mesmo, mas a vida seguiu.

Mil anos depois, estava eu de plantão na escola onde trabalho com uma aluna que havia faltado a uma prova de química. Eu estava aplicando a prova. Ela era novata e eu geralmente tenho pouco a nenhum contato com novatos. Ainda mais do ensino médio, que só vejo uma vez por semana. Então, essa menina me viu falando com outros alunos, que estavam de detenção comigo, sobre desenho (porque eu tinha acabado de mostrar um desenho que fiz e que me orgulhei muito). Essa menina vai e fala "professor eu tenho que atualizar minha história no Wattpad" e eu "OI?".

Daí é fácil presumir que achei o tal livro do Tumblr, Secrets of the antiwave, de Skyler Clarke. Não sei sustentar um mistério por muito tempo, tudo bem. Mas gostaria de deixar registrado aqui que foi assim que eu percebi a tal lei da inexorabilidade e que é impressionante a complexidade da rede de fatos que jogou de volta o livro na minha cara, dizendo "você vai ler sim!", aqui na fila do banco, onde eu poderia estar vendo qualquer outra coisa na internet.

Quer apostar que se eu largar essa leitura agora, ela volta pra mim num futuro inesperado?

Imagem: Divulgação

domingo, 5 de março de 2017

Sleeplessly embracing


     Silenciosamente como um gif de filme pornô em câmera lenta. O céu lá fora estava cinza ao por do sol de uma tarde fria. Dentro de casa, sentia seus músculos pesados e moles como tentáculos gigantes de um molusco morto. Pendiam mãos e canelas da beira do colchão exposto - aquele lençol nunca passava uma única noite arrumado. Vários inícios de ideias geniais vinham à sua mente, mas aprofundar-se nelas era uma tarefa igual a pegar fumaça com as mãos. À medida em que a terra girava, notas sombrias vinham do tique-taque do relógio. Uma sensação de impotência se espalhava e se apoderava de seu corpo, fazendo-lhe afundar ainda mais em seu colchão. Fazendo-lhe encolher-se e esconder-se em seus lençóis. Era a existência que se recusava a existir.

     Vinha o sono. Durante o sono todas as dores de ser eram amenizadas. Sua mente se enchia de sensações agradáveis, ilusões mornas projetadas por seu cérebro. Aqui e ali um desejo subconsciente se realizava na ficção onírica, um fluxo prazeroso porém frágil.

     Enquanto sua cabeça era palco de devaneios diversos, o resto do corpo se aninhava como um filhote. Estava preso no campo magnético do desejo de se livrar de todas as aflições pertinentes que maculavam seu momento de procrastinação.

     Teve que se levantar ao som do despertador pelo que seria a milionésima vez. A noite passou tão rápido. Não deu pra descansar nada. A disposição das coisas naquela casa ia contra qualquer conceito de praticidade. As portas pareciam se deslocar um pouco demais para a direita ou esquerda. Pequenas frustrações que lhe matavam pouco a pouco todos os dias. Correndo numa esteira diariamente sem perder nenhum peso, andando num círculo vicioso, uma bola de neve. A impressão de se deslocar tanto pela cidade, indo e vindo para casa, era uma angustia esmagadora: como poderia andar tanto e nunca chegar a lugar nenhum? Esforços excessivos para resultados insignificantes se repetiam. Uma sucessão de eventos que lhe faziam pensar: "eu não acredito que estou fazendo isso". Lembrava-se de que já houve dias em que todas aquelas tarefas eram feitas com alegria, como seu coração se enchia de satisfação ao concluí-las. O rádio do cérebro toca seu tema mais incômodo: "When love is gone, where does it go? And where do we go?"

     Queria fugir da repetição. Queria romper o ciclo, mas mais uma vez vinha aquela penumbra, a sombra de todas as coisas ao fim do dia, no pôr do sol, que avançava sobre si de maneira opressora. Um tsunami quebrando sobre sua cabeça.

     Logo o banho quente, o pijama com seu cheiro adormecido e a taça de vinho acompanhada de uma barra de chocolate, suas músicas independentes que faziam a mente viajar, tudo isso como uma orquestra fazia tudo parecer perfeito, e que viver era aquilo. O sono vinha e era recebido com um abraço, uma passagem de trem por planícies esverdeadas onde eventualmente se via um pequeno lago. Estava tudo ali.