sexta-feira, 8 de agosto de 2014

"As time goes by"



Deus, como eu quero voltar a ser criança! Não se trata de nostalgia ou complexo de Peter Pan. O fato é que a vida adulta é demasiado tediosa e fatigante, além de carecer de mágica. Não há mais Digimon em manhãs quentes, refrescadas com guaraná, ou Harry Potter em tardes de férias, com meu irmão e meu primo tão encantados quanto eu diante da televisão. Cara! Como eu viajava nessas histórias! Eu fui uma criança muito introspectiva. Sempre fixava num único ponto no meu campo visual e ali mergulhava, desbravava os detalhes e esquecia todo o resto, como uma poça no chão que refletia o céu e ao mesmo tempo revelava seu fundo, e como poderia ser aquilo um mar para formigas, um lago para meus dinossauros de brinquedo. Meu pensamento voava! Tudo me era maravilhoso, fantástico. Eu era um menino poeta. Tudo tem uma beleza própria, se bem observado.

Hoje, na pele de adulto, eu não perdi a capacidade de introspecção, a imaginação ou tampouco a minha percepção diminuiu, muito pelo contrário: estou mais afiado que nunca. E isso é o que me irrita mais. Nós não perdemos a fé na magia, perdemos, simplesmente, o tempo para ela. Eu tenho memórias extremamente nítidas da infância (mesmo hoje, aos 25!) porque, quando criança, a cada experiência eu dedicava intermináveis momentos de revisão e reflexão. Muitas dessas constituem meu imaginário, e inúmeros elementos do meu dia me remetem aos meus anos infantes, quando tudo era novidade e tão intensamente vivido. Hoje, infelizmente tudo tem que ser efêmero, tudo passa por mim com pressa: imagens, lugares, pessoas, filmes, livros... sempre há uma pilha de coisas esperando para ser feita e a consciência disso me tira o foco, o foco profundo de antigamente, das coisas do aqui e agora. É detestável estar sempre jogando um pé para frente.

Trata-se das lembranças de um sonho. Tentar viver hoje com a intensidade que eu vivi na infância – sem o dinheiro, sem o álcool, sem o café nem os relacionamentos – é tão impossível quanto tentar cantar uma música que eu só ouvi num sonho. É tudo sonho. Quando eu estiver na minha quarta digievolução (a velhice), é assim que me lembrarei das anteriores: como sonhos. E como eu amo sonhar! Depois de um dia de trabalho, eu não deito para descansar. Não é para recuperar as energias e conseguir repetir o feito no dia seguinte. Nada disso. Eu me deito é para sonhar. É nessa hora, entre a consciência e a inconsciência, que eu sinto o tecido da realidade se desfazendo e meu corpo encolhendo. A barba entra no rosto, as orelhas voltam a ser de abano e os dentes encolhem e se afastam. Em apenas alguns minutos o pequeno eu está ali, de volta, e é quando tudo finalmente faz sentido.