quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Poema: O Peixe - Elizabeth Bishop

Fish & Boat, do artista M. C. Escher


Eu fisguei um peixe enorme
e o mantive ao lado do barco
metade fora d'água, com meu anzol
que lhe cravara o canto da boca.
Ele não lutou.
Ele não lutara mesmo nada.
Ele era um peso pendente
derrotado e venerável
e simples. De vez em quando
seu corpo marrom aparecia em listras
como antigo papel de parede,
e seus desenhos de marrom mais escuro
eram como o papel de parede:
formas de rosa desabrochadas a pleno,
manchadas e gastas pelo tempo.
Ele estava salpicado de óleo de navios,
de finas rosetas visgosas
e infestado
por pequenos piolhos marinhos
e por baixo dele pendiam
dois ou três farrapos de algas verdes.
Enquanto duas guelras estavam respirando o
terrível oxigênio
— as assustadoras guelras
frescas e eriçadas, com sangue,
e que podem cortar tão cruelmente —
pensei em sua rude carne branca
enfeixada como plumas,
os grandes e pequenos ossos
os dramáticos vermelhos e negros
de suas entranhas luzidias
e a bexiga avermelhada
como uma grande peônia.

Tragédia: Umbra


— Desgraçado! — gritou a boca, exasperada, impetuosa que era, reagindo antes de todos os outros órgãos ao que os olhos, consternados, constatavam. —  Como pôde? Sobre o nosso túmulo!

Tal era a fúria naquele corpo, que das bases frias ao topo imediatamente quente tremia. Sua alma o havia deixado tempos atrás. Acabara de ver o outro corpo, antigo receptáculo de sua alma gêmea, tal qual um abutre a abocanhar a viva carne tremeluzente de outros lábios no breu sobre a sepultura que antes fora seu berço, seu primeiro ninho.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Crônica: Por Porco


Minha mãe é uma mulher extraordinariamente fantástica. Não é de admirar que muitas das coisas nas quais eu me destaco — como contar histórias, o senso de humor, a paixão pela simplicidade das pessoas e da vida — tenham vindo dela. Em seus melhores dias, ela conta inúmeras histórias as quais presenciou ou protagonizou e que, por mais que tenham um fundo trágico, não deixam de provocar toda sorte de emoções.

 Foi numa noite de domingo, enquanto ela passava roupas na cozinha e eu jantava o almoço esquentado, que ela contou a mim e a sua afilhada mais uma das suas (intituladas por mim) Histórias do Calabouço. Tratava-se de lembranças de sua infância no interior — por volta dos anos 1970, quando morava com a mãe e cerca de mais seis irmãos —, que geralmente vinham à sua mente por assemelharem-se a fatos cotidianos. Desta vez ela contou como se livrou da culpa pela morte de um porco, logo depois de ter contado como uma cobra acabou chocando os ovos de uma perua embaixo de um cajueiro por causa da preguiça de seu irmão.

— Agora eu não podia levar a culpa! — disse, referindo-se às constantes injustiças cometidas por erros de pré-julgamento, típicas de sua mãe. — Naquele dia eu tinha saído, ido para o açude e o porco veio atrás de mim. Eu terminava os serviços e, de tardezinha, saía pela mata e lá vinha ele na minha cola. Era incrível como ele vinha, a cabeça e as orelhas baixas, mas sem perder o ritmo. Atravessava até o riacho comigo – você só via o focinho de fora d’água!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Favoreet tweets

Aqui, cinco dos meus tweets favoritos. Os critérios são pessoalíssimos, portanto espero que seja possível tirar algum proveito sem que se entre em detalhes contextualizadores. Eu costumo gostar mais dos de humor, mas isso fica pra um próximo post.









Delinquência Juvenil na Literatura, etc

Era justamente terror. Os garotos eram surrados sem dó, expulsos do ginásio, truncavam-lhes a vida, embora nenhum dos pais ou pedagogos soubesse em que realmente consistiam o prejuízo e a delinquência do fumar. Mesmo pessoas muito inteligentes não se davam o trabalho de lutar contra um vício que não compreendiam. [...] Assim deve ser, ao que parece, a lei da convivência: quanto mais incompreensível o mal, tanto mais encarniçada e grosseira é a luta contra ele.
O procurador lembrou-se de dois ou três dos expulsos, suas vidas subsequentes, e não pôde deixar de pensar que o castigo muitas vezes traz males bem maiores que o próprio crime. Um organismo vivo dispõe da capacidade de se adaptar rapidamente, habituar-se e acomodar-se a qualquer atmosfera, senão o homem deveria sentir a cada momento que o fundo irracional tem às vezes as suas atividades racionais e quão pouca verdade há em atividades tão sensatas e terríveis pelos seus resultados, como a pedagógica, a jurídica, a literária...

Anton Tchékhov, Em Casa* (1887)




Anton Pavlovitch Tchékov, o pai do conto moderno é um escritor excepcional que vale extremamente a pena conhecer. Foi graças a uma amiga que eu tive contato pela primeira vez com seus escritos encantadores sobre fatos simples da vida sob uma ótica maravilhosa.

O excerto acima, apesar de haver sido escrito há tanto tempo, ainda é uma bela coisa a se dizer sobre e para a humanidade. Ievguêni Bikovski aguarda seu filho para repreendê-lo por haver descoberto que o menino - de apenas sete anos! - anda roubando seus cigarros para fumar escondido. Enquanto Seriója não chega a seu escritório, ele reflete sobre como deve tratar do assunto, já que até o falecimento de sua esposa e mãe da criança, essa era uma tarefa exclusivamente materna. Bikovski, cansado pela rotina administrativa e em duvidando seriamente de sua abordagem, reflete: "É por isso que as mães são insubstituíveis na educação, [...] elas sabem sentir junto com as crianças, chorar, gargalhar... Mas com lógica e moral não se chega a nada". Esse despreparo pedagógico é um problema enfrentado por muitos pais e mesmo mães até hoje, por tratarem seus filhos como adultos, estragando-os com conflitos de complexidade desnecessária.

Retrato feito pelo irmão de Tchékhov, Nikolay
Você pode tirar lições de qualquer coisa no mundo: do desabrochar de uma rosa a uma equação ridiculamente complexa. Essas lições estão espalhadas por aí e basta prestar um pouco de atenção às sutilezas da vida para perceber grandes coisas; foi isso o que eu aprendi com este mestre da literatura: valorizar os pequenos momentos!

O escritor de ficção nascido na Rússia no século XIX (minha época literária favorita, tempos do meu querido Oscar Wilde!) tem um pé na medicina e uma predileção para criar personagens tão cativantes quanto singelos, de profundidade e beleza extraordinárias. Com situações comuns "mostradas" de maneira magnífica, Tchékhov é capaz de chegar ao âmago da personalidade das pessoas - talvez seja por isso que ele consegue nos aproximar e apaixonar tanto!






*Presente na coletânea Um Homem Extraordinário e Outras Histórias, da Editora L&PM, 2007.