sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Delinquência Juvenil na Literatura, etc

Era justamente terror. Os garotos eram surrados sem dó, expulsos do ginásio, truncavam-lhes a vida, embora nenhum dos pais ou pedagogos soubesse em que realmente consistiam o prejuízo e a delinquência do fumar. Mesmo pessoas muito inteligentes não se davam o trabalho de lutar contra um vício que não compreendiam. [...] Assim deve ser, ao que parece, a lei da convivência: quanto mais incompreensível o mal, tanto mais encarniçada e grosseira é a luta contra ele.
O procurador lembrou-se de dois ou três dos expulsos, suas vidas subsequentes, e não pôde deixar de pensar que o castigo muitas vezes traz males bem maiores que o próprio crime. Um organismo vivo dispõe da capacidade de se adaptar rapidamente, habituar-se e acomodar-se a qualquer atmosfera, senão o homem deveria sentir a cada momento que o fundo irracional tem às vezes as suas atividades racionais e quão pouca verdade há em atividades tão sensatas e terríveis pelos seus resultados, como a pedagógica, a jurídica, a literária...

Anton Tchékhov, Em Casa* (1887)




Anton Pavlovitch Tchékov, o pai do conto moderno é um escritor excepcional que vale extremamente a pena conhecer. Foi graças a uma amiga que eu tive contato pela primeira vez com seus escritos encantadores sobre fatos simples da vida sob uma ótica maravilhosa.

O excerto acima, apesar de haver sido escrito há tanto tempo, ainda é uma bela coisa a se dizer sobre e para a humanidade. Ievguêni Bikovski aguarda seu filho para repreendê-lo por haver descoberto que o menino - de apenas sete anos! - anda roubando seus cigarros para fumar escondido. Enquanto Seriója não chega a seu escritório, ele reflete sobre como deve tratar do assunto, já que até o falecimento de sua esposa e mãe da criança, essa era uma tarefa exclusivamente materna. Bikovski, cansado pela rotina administrativa e em duvidando seriamente de sua abordagem, reflete: "É por isso que as mães são insubstituíveis na educação, [...] elas sabem sentir junto com as crianças, chorar, gargalhar... Mas com lógica e moral não se chega a nada". Esse despreparo pedagógico é um problema enfrentado por muitos pais e mesmo mães até hoje, por tratarem seus filhos como adultos, estragando-os com conflitos de complexidade desnecessária.

Retrato feito pelo irmão de Tchékhov, Nikolay
Você pode tirar lições de qualquer coisa no mundo: do desabrochar de uma rosa a uma equação ridiculamente complexa. Essas lições estão espalhadas por aí e basta prestar um pouco de atenção às sutilezas da vida para perceber grandes coisas; foi isso o que eu aprendi com este mestre da literatura: valorizar os pequenos momentos!

O escritor de ficção nascido na Rússia no século XIX (minha época literária favorita, tempos do meu querido Oscar Wilde!) tem um pé na medicina e uma predileção para criar personagens tão cativantes quanto singelos, de profundidade e beleza extraordinárias. Com situações comuns "mostradas" de maneira magnífica, Tchékhov é capaz de chegar ao âmago da personalidade das pessoas - talvez seja por isso que ele consegue nos aproximar e apaixonar tanto!






*Presente na coletânea Um Homem Extraordinário e Outras Histórias, da Editora L&PM, 2007.