quarta-feira, 15 de abril de 2015

10


A juventude era como o sol entrando pelas frestas no telhado e clareando o banheiro cujos azulejos brancos e frios refletiam a luz. Ali eu permanecia sem roupa, sentindo a água restante do banho escorrer pelo meu corpo refrescado e cheirando a sabonete. Lá fora se brincava, fazia-se todo tipo de coisa. Dava para ouvir o vento balançando as folhas de uma palmeira no quintal da vizinha, o som das crianças brincando, alguém batendo numa lata enferrujada acompanhando uma música baixinha de rádio a pilha e um cheiro de castanha sendo assada vinha de toda parte. Na atmosfera fria e escura do banheiro, eu ainda sentia a umidade no ar, a espuma do xampu brilhava no chão como um pedaço de nuvem. A água do piso começava a enrugar meus pés. Estava tudo tão calmo. Meu coração estava ansioso por alguma coisa, alguma coisa intensa. Ao menos essa era a impressão que eu tinha naquele momento. Enquanto meu cabelo pingava na testa, uma gota caía dos cílios e deslizava para a linha lateral do nariz, fazendo uma coceirinha surgir e eu, portanto, esfreguei a área com força porque a pele molhada tinha menos atrito. Então eu não conseguia entender o quão desesperadamente aquele instante se gravava em mim, como a índia saindo de uma floresta tropical numa noite de luar que estava estampada na toalha macia, sequinha e cheirando a amaciante pendurada do lado de fora do box. Quando nós deixamos de usar aquela toalha? Quando eu mudei o horário dos meus banhos e não pude mais sentir o calor e luz do dia tentarem se infiltrar pelas frestas no teto do banheiro? De alguma forma o meu corpo esquentou tanto ao longo dos anos que eu não consigo mais me refrescar. Já me ocorreu até de eu ter passado a gostar do calor. Havia uma barata que se escondia no ralo e uma aranha e sua família de aranhinhas num canto acima. Eu não tinha medo delas. Não me importava em dividir minha casa. Aonde terão ido? Ando sentindo tanto cansaço que mal reparo nas pequenas criaturas que sempre dividiram a casa com a gente. Já acordei até com uma borboleta na cama. Lembro de suas asas amassadas como dinheiro esquecido num bolso na manhã seguinte. Meu ritual para me enxugar como os personagens de desenho animado se repetia enquanto eu me olhava no espelho. Aquele corpinho em desenvolvimento tinha uma curtíssima lista de lugares visitados. À medida que a toalha passava absorvendo a água da pele, calafrios surgiam e se dissipavam por todo o corpo. "Brrruuuuu!!!" Que frio! Que frio gostoso! Daqui a pouco ia vestir uma roupinha com cheirinho de mamãe e assistir televisão comendo banana com leite e Nescau. Depois do filme tinha um jornal, e depois a novela. Mas eu não gostava da novela. Ia brincar. Sempre esquecia de desligar a luz do banheiro porque não tinha problema. Na verdade não tinha problema nenhum.