terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pra fora da toca do coelho branco


À medida que estico um braço para o futuro, reviro-me dentro de minha casca de diamante e, sem querer, deixo escapar o eco de um sorriso cheio de pesar. Nunca imaginei que teria de lidar com uma ausência mais tangível do que o objeto que ela substitui: um ser que nunca foi. Ainda que a marca na pele – um X em alto relevo, mais rosado e brilhante que o resto – seja agora indolor, não pude evitar uma sensação de culpa por não vê-la mais sangrar. Um tipo internalizado de traição. Fútil e masoquista. Zonzo após o giro entre negações, desejos escancarados e a prática da indiferença, divirto-me com a ilusão de que as voltas estão chegando ao fim. Em meio às ações da auto-manutenção psicológica contínua, não me agarro mais a um nome e vértebras (estes agora desfeitos como a fumaça de um cigarro autografado por dois). Não há mais o que inalar. Trato de soltar. Largar o copo e me livrar do peso. Minha materialização neste plano está cada dia mais irreversível e já não sonho mais com tanta frequência. Motivações derivadas e destinadas ao real distanciam-se do ideal que já não é. Faço-me de brinquedo, deixo-me levar até ser puxado de volta por uma mola à qual meu tronco encontra-se preso. De volta à caixa com motivações circenses; um mundinho à parte que uma em sete vezes me basta, me renova. Não há mais palavras de areia movediça, tampouco.

Imagem: Never Let Go by ReyeD33

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sinestesia Fantástica



Mesmo imerso num mar de incertezas, ao passo que as cinzas são varridas de minhas penas pelo vento, como uma mariposa à noite, vejo-me atraído por uma luz azulada que poderá me eletrocutar. Mas talvez não seja noite. Talvez eu esteja em uma caverna e esse brilho venha de uma fresta no teto pela qual poderei escapar. Devo ficar atento à presença de vento também. Minhas asas cansadas já não têm tanta sensibilidade.

Ah! Que sabor terá o ar quente do dia, depois de uma noite tão longa e gélida? Que promessas estarão codificadas nas nuvens? Eu quero essa chuva sobre mim. Sinto-me preparado para essa sinestesia fantástica! Ver o cenário se distorcendo a minha volta, cobrindo longas distâncias em alta velocidade, de braços abertos, indo e voltando... a sensação de que nada é impossível... o conforto de ver as novas folhas de um verde luminoso lançando sua sombra sobre as que secam ao chão, sendo absorvidas e se transformando em nutrientes...

É verdade que, num piscar de olhos estou de volta à escuridão. Mas esta não é mais completa. E mais: estou no meu caminho para longe dela.

Pra ler ouvindo: