quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Aprendendo a conviver com aquilo que falta



Desde que eu era criança, um pensamento cruel me afligia: como será para um cadeirante acordar todos os dias e ver tanta gente andando com as duas pernas por aí? Sabendo que a maioria dos problemas de sua vida se dão por causa disso, que tudo seria diferente se ele pudesse andar... Ou como seria ser cego, surdo ou mudo num mundo dominado por pessoas que possuem a habilidade de enxergar, ouvir ou falar... Até que eu acabei experimentando essa sensação (ou quase).

Há um mês eu me casei com o amor da minha vida e estamos muito felizes sim, obrigado. Mas uma recente visita à minha mãe me revelou algo que o meu projeto de vida estava ocultando há anos: eu MUITO provavelmente não darei um neto à minha mãe porque sou homossexual* e foi terrível ver os meninos de uma geração depois da minha aparecendo um depois do outro com seus filhos no colo, ver as amigas da minha mãe todas comentando sobre como é ser avó e como elas ficam bobas com os netos nos braços.

A partir daí eu fui entrando numa espiral de percepções de todas as coisas que me faltam, de tudo que eu queria ter conquistado a essa altura da vida e ainda não conquistei e que, assim como os bebês, as pessoas esfregam na minha cara diariamente mas eu simplesmente aprendi a lidar com isso. Então eu sei que daqui a pouco eu vou estar bem de boas com esse assunto e esse buraquinho no meu coração vai ter se fechado.

É triste que a gente se acostume com aquilo que nos falta? Sim e não. Desde que a vontade de conquistar outras coisas não morra por isso. É evidente que nossos pais passaram por fases dificílimas de negação assim como nós. Mas nem tudo o que a gente quer é o melhor pra gente. É muito bom quando nossos desejos se realizam, mas há milhares de pessoas no mundo que vivem plenamente sem essas coisinhas que achamos que nos faltam. Há deficientes físicos ou mentais que são exemplos de vida, a quem falta muito mais do que certos mimos que sofremos para ter, e ainda assim conseguem continuar sonhando. É um pensamento clichê, mas até que horas vamos precisar dele para aprendermos a valorizar o que temos e deixar de se angustiar por tão pouco?

Eu quero crescer com isso e me tornar mais forte, porque a vida não é pra todo mundo e sonhar é uma ousadia quase imoral.

*Sei que há inúmeros métodos de um casal gay ter um filho, mas me refiro às expectativas frustradas da minha mãe quanto ao método tradicional mesmo. É uma falta com a qual ela terá que conviver assim como eu.

Créditos da imagem: transverse by Sea-of-Ice

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