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terça-feira, 2 de setembro de 2014
Boysinha no busú
Estou num demorado ônibus a caminho do trabalho, no maior desconforto e sacolejo pela via mais distante rumo ao meu destino. Porém essa não é a pior parte da viagem. A coisa que torna mais difícil a minha permanência nesse coletivo é a presença de uma criatura do sexo feminino que insiste em falar extremamente alto. Ela tem uma aparência que muito me desagrada e está estigmatizada pelos ideais locais de como uma "boysinha que bota moral" é. Tudo nela vai contra o que eu acredito, eu abomino todas as suas características. Ela pode até ser uma boa pessoa, não é de caráter que falo aqui. É do seu comportamento reprovável, sua linguagem corporal ofensiva, seu discurso carregado de humor infeliz e sua postura sem um pingo de nobreza. Isso gera em mim uma forte aversão, praticamente instantânea. O conflito que resulta da minha negação é o que me angustia. Ela não me faz nada de mal diretamente. Eu que o faço, ao estipular ideais de comportamento para as pessoas. Mas mesmo isso não é gratuito. Eu poderia não desgostar da jovem, poderia até mesmo acha-la o máximo e que ela vale tanto quanto pensa. Poderia se não conhecesse nada além disso. O problema é que eu já estive exposto a garotas que eu realmente achei bonitas e bem comportadas. Garotas cujas palavras e senso de humor perfumam o ar. Cujas roupas são um deleite para os olhos. A verdade, se o leitor ou a leitora me permite, é que eu estou decepcionado e triste por esta garota da periferia ferir os meus ideais. Meu desprezo vem do incômodo que é transitar entre as distintas atmosferas em que habito: conforto e miséria, cultura e ignorância, cool e trash. Vem da dificuldade em lidar com as diferenças, com o que não está ali para me agradar, com aquilo cuja existência independe da minha e, o mais doloroso: com aquilo que eu não posso controlar. Essa sensação de falta de controle, de estar diante de algo selvagem, amedronta-me, ameaça-me a integridade. Meu mecanismo de defesa não poderia ser mais estúpido: eu tento inferioriorizá-la socialmente dentro da minha cabeça para que possa me sentir soberano. Ela vai descer do ônibus a qualquer momento e seguir sua vida à sua maneira, fazer tudo o que eu jamais faria, inclusive, quem sabe, ser feliz sem se importar com qualquer merda que possam pensar de ela.
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