Como prometido, aqui vai a segunda parte do meu conto para todo mundo!
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Os
dias se empurraram para frente, engordurados pela agonia que crescia dentro de
mim. Havia essa vontade de negar o que eu não gostava até que a coisa sumisse
da minha cabeça. Enquanto isso, esperava obstinadamente pelo próximo evento
marcante na minha vida: a chegada de Matthieu, só pra sair da rotina. Não que
não gostasse da rotina, pois a mente ocupada era uma cruz para meus demônios.
Eu
estagiava em RH na F&G Visual Mídia, um empreguinho arranjado de qualquer
jeito, mas que pelo menos me aproximava da minha área – fisicamente. Estava
quase superando o choque entre a realidade acadêmica e a profissional quando eu
e Catarine terminamos, e as coisas estavam me estressando a ponto de fazerem
com que eu me voltasse completamente para o trabalho.
Nas
sextas-feiras após o expediente, Homero (meu chefe) e eu frequentávamos o
Talismã Café. O fato de eu ter sido gentil com ele numa época em que ninguém
mais o valorizava me rendeu meu emprego atual e sua amizade.
Enquanto
esperava por ele, tomava uma cerveja deliciosa. Hoje penso que o sabor daquela
bebida vinha mais da minha tensão que dos ingredientes cinematograficamente
mostrados no comercial. Podia ser qualquer coisa ali: água, Coca-Cola, sulfato
ferroso... Em todo caso, senti-me eufórico ou animado e cheio de expectativa,
então olhei para a moça do meu lado e perguntei:
–
Ah, me poupe! – ela nem olhou pra mim e já foi levantando para ir embora!
Acho
que acabei pagando pelo drinque dela, mas não importa porque foi nessa hora que
Homero chegou. Ele era um homem distinto em sua discrição excessiva. Notável
pelo formatinho de bolacha, do nariz para baixo seu rosto fazia uma curva acentuada
para dentro, deixando o crânio quase perfeitamente esférico, dada sua
inquietante ausência de queixo.
Esgueirou-se
bar adentro, todo cuidadoso para não encostar nas pessoas, mal as olhando nos
olhos. “Desculpe! Com licença, senhor, eu poderia...? Tudo bem.” Se eu não
houvesse esvaziado um lugar ao meu lado com meu charme, ele viria com uma conversa
de que ali era cheio demais, bla, bla, bla.
–
Jean! – apertamos as mãos. – Você parecia apressado no telefone. Espero que não
esteja com problemas.
Eu
tive que rir! – Está tudo bem, meu chapa. Só estou afim de conversar.
–
Se é assim, eu acho que está tudo bem. – Homero levantou o indicador com mais
cara de polegar que existia para pedir o cardápio. Ele sempre fazia isso pela
porcaria de uma água tônica. – Já está aqui há muito tempo?
–
Primeira garrafa.
–
Ah, bem – a água tônica chegara. Eu parei para ficar observando enquanto ele
passava o guardanapo na borda da latinha e fazia bico pra beber aquele mijo
gaseificado antes mesmo de abrir o lacre completamente.
–
Olha só pra você – soltei. Queria saber como uma figura daquelas era meu chefe
e ainda mais se ele era mesmo real.
–
O que?
“Essa
sua camisa polo ensacada no jeans na metade da barriga enlaçada por esse cinto
de vaqueiro”, mandava-me dizer a cerveja em cima do estômago vazio. – Nada,
pensei alto.
–
Ah. Sobre o que você quer conversar?
–
Qualquer coisa. No que você está
pensando?
Ele
parou de olhar para a latinha e girou as bolotinhas oculares nervosas para mim.
– Acho que quem quer falar é você. Esse tipo de pergunta faz um branco na cabeça
da gente.
–
Dá um branco, verdade. Esperto, você.
É a tônica?
Ele
riu. – O que exatamente fez você vir ao Talismã hoje, Jean?
–
Cerveja (mais uma, por favor)... E uns pensamentos.
–
Cuidado.
–
Com o que? Eu só bebo em caso de vida ou morte.
–
Com os pensamentos. Eles são como uma água escoando. Se for bem direcionada,
vai irrigar uma horta que irá te alimentar depois. Se não, vai direto para o
pior dos esgotos.
Eu
olhei assim pra ele... – Ô garçom! Cancela a cerveja, me traz uma água dessas,
por favor?
De 15 de
dezembro a 15 de janeiro a F&G Visual Mídia liberou metade dos funcionários
e eu fui um dos infelizardos que
foram passar as “festas” em casa, desfrutando da mágica de um natal com poeira
(e não neve) em pinheiros de plástico na sala colorida por um sistema de
iluminação com 50% da capacidade prometida na embalagem e adornada pelos mesmos
enfeites do ano anterior.
Não.
Eu não iria ficar acorrentado em casa à tão divertida quanto variada programação
natalina na televisão. Não me achava bom o suficiente para aquilo.
Pensando
nisso – já que deveria conversar com alguém a fim de resolver meus conflitos e
estar com a cabeça no lugar quando meu primo chegasse –, decidi usar a semana
de natal como desculpa e, fantasiado de espírito natalino, revisitar o passado
– sabendo que daria de cara com uma apática rena do nariz vermelho na primeira
superfície capaz de mostrar meu reflexo.
Eu só percebi que havia hierarquizado mentalmente as pessoas depois que
de decidir procurar por elas. O sistema seria mais fácil de lidar se a ordem
recomendada pelo meu lado emocional não fosse tão meticulosamente oposta à do
lado racional. Acabei aderindo à ordem alfabética, recomendada pela agenda do
meu celular. Não havia muitas opções, é claro. Depois de avaliar a lista de
cima a baixo, concluí que ligaria para os que me fizessem sentir menos
ridículo: Erica e Homero.
Leia a Parte 3 aqui
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