domingo, 3 de fevereiro de 2013

Conto: A Grande Mudança (parte 1 de 6)

Ei, mas eu não esqueci do blog! Há muitas coisas em andamento mesmo enquanto eu escrevo aqui. Algumas delas, muito boas para o Minhas Drogas e, consequentemente, para os leitores! \o/ 
Então por enquanto vou postando aos domingos - e hoje tem historinha! Meu mais novo conto que, devido ao tamanho, será postado em 6 partes. Chega de conversa ^^

cocoon  by ~deadums



A GRANDE MUDANÇA - 1


Eu era um desses caras moderadamente bem sucedidos saindo da universidade e entrando na casa dos vinte e poucos ao mesmo tempo em que meu primeiro emprego me abria as portas. Bem menos fatigado pela velha sensação de que as coisas ainda iam melhorar, tentava não me ofender com as piadas internas da vida e seguir em frente com a melhor cara possível.
Morava sozinho num bom bairro e podia ser visto com meus cabelos por cortar, barba por fazer, magreza e brancura com um olhar perdido a estapear os bolsos obstinadamente, checando pela milésima vez onde estavam as chaves, a carteira e o celular, acumulando apreensões de rotina antes de atravessar a rua para o mercado que frequentava.
Foi lá, certa vez, enquanto calculava mentalmente o valor das compras e me esquivava dos velociraptors entre as prateleiras inflacionadas que eu vi, mas fingi que não, depois ouvi...
– Jean? – minha ex pipocava de trás da sessão de limpeza. O cabelo loiro ressecado e o corpo esguio enfiado numa camiseta básica e num jeans repugnante acima dos joelhos rosados. – Jean Marques, eu sei que você me viu!
Hunf! – acabei deixando de lado o pacote de algodão em bolinhas coloridas. Minha testa foi ficando fria e cada vez mais úmida. – Oi, Catarine.
– Eu não acredito – ela reclamou. – Você continua me evitando por achar que a culpa de a gente ter terminado é minha?
– Você me pressionava demais – foi isso mesmo que eu disse da outra vez? Bom, ela estava me pressionando agora. Mais algumas coisas se esclareceram na minha cabeça.
Catarine ergueu uma sobrancelha pra mim com os lábios retesados, cruzando os braços apoiada numa perna e abrindo a outra feito um compasso. Eu não iria ceder àquilo, nós não tínhamos mais nada além de uma consciência manchada pela frustração.
– Dai-me paciência! – Ela murchou como uma flor desidratada. – Olha, eu tô tentando te ajudar...
Achei melhor começar a ver se a validade dos papéis higiênicos estava em dia. Pode ir em frente com suas cagadas pelo resto da vida, amigo! Diziam os números.
– Eu estou falando com você!
– Estou escutando.
– Mas não está ouvindo. Você deveria, sabe, conversar com alguém sobre você-sabe-o-que.
Eu tinha certeza de que ela me achava um retardado incapaz de me virar sozinho. Talvez fosse, em parte, mas eu não precisava me submeter àquela situação.
– Não tem nada pra ser conversado. – Fui grosso? – Você, eh... Ta indo pro caixa?
Ela olhava para baixo de um jeito que lembrava um tenista depois de errar uma jogada. – Eu cheguei agora.
Verdade. Ela não estava com nada nas mãos.
Não tive coragem de olhar, mas pareceu que todos os outros clientes haviam ouvido tudo e estavam baixando os olhares pra sacudirem as cabeças e pensarem: mas é uma anta mesmo!
Em casa meus pensamentos ficaram ricocheteando nas paredes pelo resto do dia. Sozinho eu não dava conta de habitar aquele lugar, fato que se reafirmava com as sombras de Catarine à espreita pelos cantos, mais vivas do que nunca após a nossa conversa – como ela ainda podia significar tanto?

O telefone me despertou como um balde d’água na cara, mas não necessariamente pra uma realidade melhor que a os pensamentos.
– Oi, mãe.
– Oi, querido – ela estava desnecessariamente animada. – estou interrompendo alguma coisa?
– O que a senhora quer? – Ok, eu estava sendo grosso. Mas aquele estava sendo um dia particularmente difícil.
Dona Evangeline fora uma mulher desagradabilíssima, cheia de si a ponto de sempre encontrar alguém em quem depositar a culpa pelo mundo não ser como ela queria. Dá pra ter uma noção mais precisa quando se pensa nela fazendo questão de me levar à escola até os quinze anos só para ter o prazer de brigar com os professores – nem vou dizer o quanto isso me deixava embraçado. De qualquer maneira, acho que é a ela que eu devo os agradecimentos por todas as patologias comportamentais que hoje dificultam tanto a minha vida.
– Liguei pra lhe lembrar de que seu primo Matthieu está indo passar o natal aí com você.
– Eu lembrava.
– Mas eu achei necessário. Parece que você não anda muito bem. – Não sei por que ela ainda se dava o trabalho de tentar me preparar para suas críticas ácidas camufladas pelo discurso materno afetuoso. – Falei com a coitada da Catarine mais cedo, estou sabendo de um monte de coisas. Fique certo de que ela não será feita de boba, Jean. Você acha que o que quer é o melhor para sua vida, mas há um abismo entre as duas coisas!
Eu até argumentaria, mas a experiência com estes telefonemas me ensinou que o silêncio numa conversa indesejada é água mole em pedra dura.
– Eu só espero – eu podia imaginar a cara retorcida dela enquanto falava – que você não tenha voltado a sair com aquela sem futuro da Erica, que só arranja homem esquisito.
– Mãe.
– Ou que não tenha acontecido coisa pior.
– Ok, mãe. Acho que deixei a torneira ligada e está acontecendo uma inundação aqui. Melhor eu tentar salvar a mobília.
– Você puxou ao pior lado da família.

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