terça-feira, 26 de março de 2013

Crônica: Pelos olhos do escritor



Já escrevo há muito tempo. Sobre as mais diversas coisas nos mais diversos formatos. Mas uma coisa sobre a qual nunca escrevi, pelo menos não da maneira apropriada, creio, foi o escritor. Assim, refiro-me a minha própria pessoa, o “eu” como escritor. Quem é esse homem, essa coisa? Como se classifica? Como se encaixa no mundo? Acho que sei como surge, pelo menos: Um escritor nasce de um leitor apaixonado. Em determinado momento de sua vida, ele passa a ouvir vozes. Elas lhe dizem que o mundo não é como seus olhos pensam que são. Elas lhe dizem que o mundo é mais bonito. Tudo tem beleza. Acredito que a beleza, talvez mais que a dor, seja uma grande força motriz da inspiração. E a inspiração é uma fonte dentro da cabeça onde há inúmeras moedas submersas, ofertas por todo tipo de desejo e ambição. Mas, mesmo se dando conta dessa fonte, mesmo entendendo o mundo como um agrupamento de itens admiráveis (não apenas perceptíveis), o escritor ainda não é escritor enquanto não aprende a dar forma às coisas sussurradas em sua cabeça. Na escola ele aprende a dar nomes a esses amigos (ou inimigos?) imaginários: a voz da cabeça se chama narrador? Ou eu que sou o narrador? Sendo assim, o que fazer com esse jorro ininterrupto de palavras que vai saindo sabe-se lá de onde como um recorte de papel na forma de crianças de mãos dadas que não termina nunca? Então ele nota que cada uma dessas crianças tem uma história, às vezes um nome, às vezes ama alguém, deseja mortalmente obter alguma coisa. Ele considera seriamente chamá-las personagens. Então, ainda na escola, ele é posto diante de incríveis armas de criação em massa: um lápis e um papel. Ele vai tentar desenhar, pois a imaginação ainda não cabe em palavras. Se for bem sucedido, suas armas ficarão cada vez mais aterradoras e seus efeitos ganharão cores vibrantes, contornos vertiginosos, formas alucinadas. Mas a voz na cabeça nunca se cala. Se o desenho não bastar, ela jamais silenciará, por mais que a cabeça em questão se resuma a puro cálcio, quando então ecoará através de todas as palavras pelas mãos que comandava escritas. E sabendo escrevê-las na ordem certa – apenas na ordem –, o escritor vira artista. Ele transformará a realidade em literatura, suas palavras lhe darão novas formas e cores, mesmo sendo apenas preto no branco, cores belamente irônicas, quando juntas. Pois tudo é cinza. E quando o escritor enxerga isso, essa subjetividade se transforma novamente. Daí ele terá dois caminhos: o da prosa ou o da poesia. Eu sou romântico demais, nem preciso que me digam. Mas Rita disse. “Amor é prosa, sexo é poesia”. E são. Caí nas graças da ficção e me deixei levar por essas águas que já banharam e de que já beberam todos que vieram antes de mim: Wilde, Woolf, Hemingway, Poe, Machado, etc. E desejo afundar, desejo embriagar-me a mim e a todos. Minha vida é uma narrativa, estou cercado de personagens, a trama é densa, complexa, experimentalíssima! Prostro-me diante de uma folha branca somente para dar à luz ao que vejo com o corpo inteiro. Gosto da cadência sonora do digitar, dos arranhões na folha da alma, da hemorragia verbal que sai de minha pena. É a minha chance de brincar de Deus, de explorar situações apenas sonháveis, pois a linguagem e seu registro escrito são a verdadeira bênção da imortalidade para um homem. E assim me sinto pleno, redescubro meu eu, aquele, que fica de escanteio, corpo hospedeiro deste que vos fala.



Imagem: 'HITCHERS' BOOK COVER, por Sam Wolfe Connely


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