sexta-feira, 10 de abril de 2020

Sins of my youth

I've got these habits that I cannot break
And as I'm older there is more at stake
Go ahead and call me fake but these are the sins
The sins of my youth”






Você acorda e é isso. Parece que estar vivo é ter que encarar a mesma realidade todos os dias, preso dentro do mesmo corpo, vendo a paisagem mudar ao seu redor como se estivesse olhando pela janela de um carro. Mas a sensação é de que você não está em movimento; a Terra é que está.

Então a rotina gera hábitos automáticos que o corpo logo se apressa em executar. Fazer xixi, olhar pela janela, olhar o celular. É fácil ceder a velhos hábitos aos quais a mente se acostuma. Se o hábito é nocivo, a gente custa a descobrir. O cérebro vai encontrar todos os argumentos possíveis para defendê-los.

Mas assim como as formações rochosas da Terra, que são esculpidas lentamente pela ação da chuva e do vento, a vida vai mudando sem que a gente sinta e alguns hábitos deixam de caber na nossa rotina ao mesmo tempo que vão deixando de fazer sentido. Ainda assim, o cérebro vai lutar para mantê-los. Você pode até tomar consciência e se ver num conflito, pensando “por que fazer isso?”.

As vezes esses hábitos podem ser a manifestação de um instinto ancestral, enraizado nos seus genes desde quando você vivia na floresta. O convívio social é responsável por reprimir muitos hábitos até que sejamos civilizados, mas mesmo anos dessa fantasia que a gente optou por usar não conseguem recalcar totalmente alguns desejos.

Mas se até uma estrela pode se apagar, por que um desejo não pode morrer? Claro que pode! Demora. É um processo lento e doloroso, mas acontece. Você testemunha a coisa acontecendo. É como perder o poder de voar num sonho. Você para de planar, depois passa a dar alguns saltos (cada vez mais baixos) e quando se da conta, só consegue caminhar.

A morte natural de um desejo ou o abandono consciente de um hábito (ou vício) deixa um buraco em você. A mente não sabe lidar com buracos. Se não ficar esperto, você pode trocar um vício por outro. Essas coisas são parasitas e vão se alojando cada vez mais profundamente, alimentando-se dos conflitos que a gente não sabe como lidar em troca de uma falsa sensação de alívio. Mas somente quando você os arranca dali, é que da pra ver o estrago que causaram.

E quanto mais velho o hábito, vício ou desejo, pior é lidar com eles. É difícil dizer a idade dessas coisas. As vezes, parece que elas estiveram ali a nossa vida inteira. Isso porque as nossas lembranças se sobrepõem, confundindo a nossa percepção da passagem do tempo, e uma maneira da gente lidar com isso é recalcular esse tempo de um modo subjetivo e favorável ao nosso ego. Esse cálculo chega a ser tão absurdo que somos capazes de alterar memórias para poder suportar com o modo como as coisas nos afetam.

Hoje existe, principalmente entre os adolescentes, o costume de se expor na internet. É uma prática que vem do instinto primitivo de pertencimento a um grupo, a qual favorece a autoafirmação dos indivíduos e consegue dopa-los temporariamente para que esqueçam de seus conflitos. E nessa fase, a quantidade e intensidade de conflitos é arrasadora. Tire o celular das mãos de uma pessoa dessas e você estará tirando a chupeta de um monstro adormecido.

Tanto instintos quanto atitudes civilizadas tem seu valor. É impossível viver em uma dessas extremidades e isso não significa que todo o nosso ser está em um único ponto dessa escala. Minha sexualidade vai estar em um nível de instinto, enquanto minha comunicação vai estar em outro nível de civilização simultaneamente. O desafio é saber se posicionar de um lado ou de outro escolhendo o momento certo e desenvolver a habilidade de decidir até quando um hábito pode ficar, de modo que, quando eles sejam abandonados, causem o mínimo de dano possível.


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